São Paulo – “Não vou deixar que ele me mate, porque eu escolhi a vida”.
A fala decidida da orientadora educacional Francisca Chagas, de 45
anos, mostra uma atitude corajosa que demorou 20 anos para ser tomada.
Foram pelo menos duas décadas de agressões físicas e verbais por parte
do ex-companheiro até que ela pedisse o divórcio. “Antes não denunciava,
porque eu tinha vergonha do julgamento das pessoas”, relembra. Com
objetivo de encorajar e apoiar outras mulheres que queiram mudar essa
situação, cerca de 250 pessoas fizeram hoje (30) uma caminhada no bairro
Jardim Aracati, na zona sul da capital paulista, para pedir fim da
violência contra a mulher.
Camila Maciel - Agência Brasil
Apesar do casamento desfeito há oito meses, Ilma ainda sofre ameaças e
tem receio do que possa acontecer. “Todos os dias faço um percurso
diferente para ir ao trabalho. Ontem mesmo ele veio perto da minha casa
fazer ameaças. Agora ele quer a casa, que é a minha segurança para
cuidar do meu filho que tem 13 anos”, relata. Ela avalia que as medidas
de proteção às mulheres deveriam funcionar de forma mais rápida e
eficiente para evitar tragédias. “Meu ex-marido só saiu de casa depois o
juiz determinou. Demorou um tempo para eu conseguir”, exemplifica.
Nos últimos 30 anos, 92 mil mulheres foram mortas no Brasil vítimas de
violência doméstica, segundo dados Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito que investiga a violência contra a mulher. Estima-se que sejam
4,8 homicídios para cada grupo de 100 mil mulheres.
“Existe uma cultura de que a violência dentro de casa é natural. Isso
vem mudando aos poucos, mas os números mostram como ainda é presente”,
avalia Madalena Sodré, gerente de projeto da associação beneficente
Arco, organizadora do ato. A entidade aposta no trabalho com crianças e
adolescentes para mudar essa realidade. “As meninas já identificam que
não é certo o irmão bater nelas. Ainda é difícil que as pessoas falem,
mas aos poucos elas vão deixando o silêncio e o medo”, declarou.
A gerente da Arco acredita que o sistema de proteção dessas mulheres,
como as casas de abrigamento, precisam funcionar com mais celeridade.
“Aqui [na associação] nós fazemos o encaminhamento para as entidades
responsáveis, mas nem sempre dá pra evitar as tragédias”, lamenta. Há
pouco mais de um ano, Fabiana Crispim, 27 anos, procurou ajuda na Arco
para tratar das violências sofridas em casa pelo marido. No dia 30 de
dezembro de 2011, ela foi morta por estrangulamento na frente dos
filhos.
A mãe de Fabiana ainda chorava a saudade da filha na manhã de hoje, mas
informava que indignação não a deixou imóvel. Irmãs, filhas e sobrinhas
da jovem morta participaram do ato para pedir o fim da impunidade do
marido que até hoje está foragido. “Nossa vida mudou por completo. Os
filhos da minha irmã estão marcados para sempre. Eles também sofriam com
essa violência e apanhavam, inclusive”, diz Alcione Crispim, irmã de
Fabiana.
O exemplo de Fabiana e de outras jovens também mortas pelos
companheiros no Jardim Aracati motivam a dona de casa Ilma Lourenço
Balbino, 42 anos, a não aceitar mais nenhum tipo de violência, seja em
casa ou na rua. “Eu apanhava do meu marido. Aconteceu umas duas vezes.
Agora ele já morreu, mas eu nunca tive coragem de denunciar. É um
absurdo essa coisa das mortes. Não aceito que minhas filhas passem nem
por algo parecido”, declarou.
Edição Beto Coura
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