11 de jun. de 2012

"Toda família é estranha, se você arranhar a superfície"

Tim Burton

Tim Burton fala de 'Sombras da Noite' e diz não sentir falta de LA, onde é tudo 'muito claro'


Pedro Cardoso 
"Toda família é estranha, se você arranhar a superfície", resume o diretor americano Tim Burton sobre seu fascínio por famílias disfuncionais. A estranheza por trás de relacionamentos familiares está presente em quase todos seus filmes, desde Edward Mãos de Tesoura, passando por Peixe Grande ou Sweeney Todd. Excêntrico é o adjetivo que melhor define o mundo de Burton, mas em seu novo filme, Sombras da Noite, ele vai além, e nos introduz na mais anormal das dinastias: o clã dos Collins. Nada a ver com a Família Adams, segundo ele. "Este é muito mais humano."


Johnny Depp está em 'Sombras da Noite' - Divulgação
Divulgação
Johnny Depp está em 'Sombras da Noite'
Nosso encontro com o diretor de 53 anos foi dentro de uma capela ao norte de Londres, na realidade, um estúdio de áudio. Burton mora perto dali com sua mulher, a atriz Helena Bonham Carter (que também está no filme), e seus dois filhos. Em um dia de sol, oposto do clima sombrio de seus filmes, o Estado o encontrou de bom humor. Vestindo preto e com cabelos desordenados (marca registrada), conversamos sobre sua adaptação para o cinema da novela gótica da TV Sombras da Noite.

Lançada em 1966 - ainda em preto e branco - e exibida nas tardes da TV americana, a novela se tornou um sucesso instantâneo. Apesar de seus grotescos erros em cena (entre microfones voadores, aparições de câmeras no set e atores que esqueciam falas), a série foi a pioneira em apresentar monstros, fantasmas e elementos sobrenaturais em uma época que pouco se falava nesses assuntos. Burton retorna a usual parceria com o ator Johnny Depp e, desta vez, também com a atriz Michelle Pfeiffer (20 anos depois), ambos fãs do seriado original.

Seu novo filme é baseado em um seriado de TV dos anos 60. Você assistia?
Eu assistia! Não havia nada como aquela novela. As crianças voltavam correndo da escola para assistir Sombras da Noite. Talvez porque era estranho uma novela gótica exibida à tarde. Havia vários erros, desde atores que esqueciam os diálogos até de continuação e microfones em cena. Entendo por que as pessoas gostam de séries como Star Trek, mas não sei o que Sombras da Noite tinha que atraía tantos fãs.

Seria parecido com A Família Adams?
Não, este é muito mais humano. É a história de uma família, que, por acaso, tem poderes sobrenaturais. Barnabas Collins é um cara atormentado que se torna vampiro. Mas não é um filme sobre vampiros. Se você reparar na dinâmica das famílias, todas são meio estranhas, mesmo as que parecem mais felizes. Não tive uma família muito interessante, mas o tema sempre me atraiu.

A novela da TV era uma mistura de drama e terror. Você a tornou comédia?
Pergunta difícil. Na série de TV, tudo era feito seriamente e, às vezes, ficava engraçado. Não poderia levar aquele tom de novela da tarde da TV para o cinema. Nem poderia pedir ao estúdio para realizar um filme com aquela estranha atuação de novela dos anos 60. Mesmo assim, tentamos manter o espírito do programa. Sempre gostei de misturar drama e comédia e, por isso, há elementos engraçados. Mas não é uma comédia.

Você gosta de histórias de vampiros? (Burton é produtor do próximo Abraham Lincoln - Caçador de Vampiros)
Sempre gostei. Cresci assistindo a estas histórias. Sei que há uma tendência neste sentido. Mas para mim a tendência sempre existiu. Esse era um projeto que o Johnny (Depp) sempre quis fazer e eu também.

Acha difícil vender suas ideias para os grandes estúdios?
Sim. Cada filme é uma luta. Lembro que depois dos sucessos Os Fantasmas Se Divertem e Batman eu pensava: "Agora, não terei problemas em fazer filmes." Não foi assim. Edward Mãos de Tesoura foi o mais difícil para ser feito.

Mesmo em seus filmes bem-sucedidos você passou por embates com os estúdios.
Verdade. Em Batman (1989), por exemplo, enfrentei muita pressão, pois o estúdio tinha receio de um filme muito sombrio. Se você comparar com o Batman atual, a minha versão não tinha nada demais. É, as coisas mudam. Mas ainda estou sob observação dos estúdios, não tanto neste filme, mas em outros projetos com vários estúdios.

Na sua próxima animação, Frankenweenie? (Burton foi despedido da Disney após criar este curta, considerado sombrio)
Sim. Mas já fui despedido da Disney cinco ou seis vezes nos últimos anos.

Já pensou em mudar seu estilo?
Tipo um faroeste? Não sou um daqueles diretores férteis o bastante para mudar de estilo. Tenho que ter certeza sobre o que estou fazendo, para realizar algo de forma correta.

Sua colaboração com o Johnny Depp é de longa data. Ele é seu alter ego?
Bem, como ator, especialmente em um filme como este, ele está mais próximo de um Boris Karloff (ator de 'Frankenstein') do que de um ator principal. E eu gostava daqueles tipos de filmes. É legal poder trabalhar com alguém próximo a Lon Chaney ou Boris Karloff.

Quando cria personagens tem sempre Johnny Depp em mente?
Nem sempre. Nós tentamos achar algo que seja satisfatório para ambos. Não quero ver o Johnny fazendo sempre a mesma coisa. Para fazer filmes, a fórmula é misturar antigos e novos colaboradores.

Como foi o processo de seleção do restante do elenco?
Foi estranho. A Michelle Pfeiffer me telefonou quando soube do filme. Ela é fã do seriado. Foi ótimo ter alguém que sabia tudo sobre ele. Também escolhi a Chloë (Moretz) porque ela parece ser uma criança que consegue ver fantasmas. Bella (Heathcote), porque parece uma menina que já reencarnou várias vezes e a Eva (Green), para mim, é uma bruxa de fato.

Você é perfeccionista?
Não chego a ser um Stanley Kubrick, que fazia 100 tomadas de uma só cena. Faço seis, no máximo. É preciso ter cuidado com perfeccionismo. Não se pode focar algo tão especificamente a ponto de esquecer que o set está em chamas. Mas parte da diversão é a gravação. No set, não se pensa em marketing, bilheteria... nada além do filme.

Há quanto tempo vive em Londres?
Dez anos. Vivia entre Londres e Los Angeles nas filmagens de Batman (1988). Depois, passei um tempo aqui nas filmagens de A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça. Logo depois, me mudei para cá. Cresci em Burbank, onde me sentia um alienígena.

Acredita que, vivendo longe, tem outra visão de Hollywood?
Sempre penso que vou sentir falta, porque sou da Califórnia, mas não sinto. Quando volto para visitar, acho difícil ficar lá por muito tempo. São muitos carros, é tudo muito claro. Não gosto mais de visitar Los Angeles, o que é chocante para mim.

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