21 de fev. de 2015

“Não pode faltar água só no fundão da zona sul" afirma presidente do Sindicato de Água, Esgoto e Meio Ambiente

Rene Vicente dos Santos, presidente do Sintaema.

por Rafael Tatemoto, do Brasil de Fato SP

Entidade que representa os funcionários da Sabesp, o Sintaema (Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente) é uma das organizações que mais tem conhecimento sobre como o sistema de abastecimento funciona no estado de São Paulo.


O Brasil de Fato SP conversou com Rene Vicente dos Santos, presidente do órgão. Na entrevista, ele apresentou a posição dos trabalhadores a respeito da crise hídrica, o modelo de gestão da Sabesp e alternativas para o que está acontecendo.

O governo estadual e a imprensa põe a culpa da crise de água na falta de chuva. Você concorda com essa posição?

Eles também põem a culpa na população. Há pouco tempo, nós estivemos presentes na CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] da Sabesp na Câmara Municipal de São Paulo, onde estava presente o Mauro Arce, secretário de saneamento e recursos hídricos do governo do estado, e a fala dele foi clara no sentido de culpar, em certo modo, a população pela falta d’água. Nós achamos que, apesar de ser inegável essa crise hídrica que nós estamos vivenciando e essa escassez hidrológica, a falta de chuva nos meses e no último ano, que não foi como os anteriores, há o grande fato de que o governo não se preveniu. O governo não fez investimentos como deveria na busca por recursos hídricos de outras bacias, na ampliação da armazenagem de água para abastecimento humano em torno da região metropolitana. No nosso ponto de vista, então, o grande responsável por a situação chegar no estágio em que está, afetando toda a população, é o governo do estado.

O que o governo deveria ter feito?

Na verdade, a Sabesp tem investido nos últimos anos, mas os investimentos dela vão no sentido de aumentar sua receita e arrecadação para atender sua demanda principal, que é a de lucro na bolsa de valores e no mercado de ações. Essa é a grande contradição que se expõe nesse momento de crise. Quando uma empresa que deveria buscar a universalização do saneamento, levar saneamento e saúde para toda a população do estado, ter feito a manutenção das redes de água, ela vem atuando no sentido de garantir lucros cada vez maiores para seus acionistas. Hoje, o objetivo principal da empresa é manter suas ações valorizadas. Desde que foram lançadas no mercado, as ações da Sabesp se valorizaram em torno de 600%. Os trabalhadores não tiveram isso de aumento salarial.

Qual o percentual de perda na rede de água e esgoto?

Atualmente, 25% do que a Sabesp produz se perde antes de chegar na casa de um consumidor, de um trabalhador lá na periferia. Pensando em uma família com três pessoas que consome 500 litros diários de água para sua subsistência e manutenção, para abastecer esses 500 litros a Sabesp tem que produzir 900. Ela preferiu optar por produzir mais água, mesmo desperdiçando, do que fazer a manutenção, fazer a troca de redes, o investimento em novas tecnologias. Quando indagada, a Sabesp coloca que o fato de nós termos uma topografia adversa, o relevo e os terrenos irregulares, aprofunda a questão do vazamento, mas isso não é a realidade. Vamos comparar com a Comgás, que fornece gás para a população, se vazasse 25% do que ela produz e fornecesse na casa das pessoas, São Paulo iria explodir, não iria? Nós estaríamos vendo bueiros pegando fogo, mas não é isso o que ocorre. Existem tecnologias e condições, mas o pano de fundo é a lógica da empresa, quem ela decidiu atender. Entre a população e o acionista, ela ficou com os últimos.

O foco nos lucros também prejudica a criação de campanhas pela economia de água?

Um dos maiores gastos que a empresa tem nos últimos anos, em torno de R$ 200 milhões por ano, é com propaganda. Tem investido muito nisso. E com aquela ideia: “sabendo usar, não vai faltar”. Mas, ao mesmo tempo, se contradiz, porque é a contradição da prática mercadológica. Como é que você vende um produto e fala para o consumidor usar pouco. Na verdade, o governo do estado e a Sabesp não educaram a população como deveriam, colocando a água como bem finito, que acaba, que a gente tem de usar de maneira racional, implementando um programa de uso racional, que atingisse as escolas, desde o primário, para que realmente conscientizasse a população o valor que tem água potável.

O que deveria ser feito a curto prazo?

Um dos problemas que tem de ser encarado de frente enquanto Estado, é a questão do racionamento. Não tem outro jeito. Nós não vamos conseguir água do dia para a noite. Por mais que chova agora, nós vamos entrar no período de verão, durante o qual é natural que tenham mais precipitações de chuva, porém, nós não conseguiremos, a não ser que caia uma chuva muito grande no sistema Cantareira que venha a repor. O que é quase impossível. Nós vamos atravessar um momento em que vai chover, mas não será o suficiente para a reposição do sistema. A nosso ver, a Sabesp deveria, de início, ter feito esse programa de racionamento. E com o aprofundamento da crise, decretar o rodízio, conversar com a população, apresentar um plano de contingência, mostrando o que ela vai fazer, as prioridades em atender escolas, hospitais, creches, de que maneira ela vai atender a população, como vai lidar com a indústria. Porque, no final, acaba sobrando para os bairros mais pobres, na periferia. Tem que ser discutido de uma forma ampla, não pode faltar água só no fundão da zona sul, no distrito de Marsilac, e a avenida Paulista ficar abastecida. Isso é uma conta que todos tem de pagar, toda a sociedade.

Como esse modelo de gestão impactou o trabalho na Sabesp?

As atividades fins da Sabesp — tratamento, operação e distribuição – não foram terceirizadas. No entanto, a Sabesp tem um número igual ou até mesmo superior de terceirizados ao de concursados prestando serviços. A área de leitura, de caça-fraude, por exemplo, são áreas nas quais a terceirização aumenta constantemente. Isso também reflete no produto final que é levado à população. Muitas vezes para consertar um vazamento, você manda uma empreiteira, uma empresa terceirizada que não faz direito, a população reclama, volta e quem tem que resolver, muitas vezes, no final das contas, são os trabalhadores da Sabesp. Tem muito problema que é fruto do serviço mal executado. Isso tem que ser questionado. Da baixa qualidade da mão de obra. Acaba refletindo no dia-a-dia do consumidor.

Isso também prejudicou a fiscalização nos mananciais?

Realmente nós tivemos, entre 2010 e 2011, um processo de mandar embora vários trabalhadores aposentados, mais de dois mil trabalhadores, por meio de um termo de um ajustamento de conduta, assinado entre a Sabesp e o Ministério Público, que desligou vários trabalhadores que atuavam nessas áreas, principalmente no sistema Cantareira, nas áreas de mananciais. Essas equipes têm diminuído drasticamente. Isso afeta a qualidade dos mananciais. Hoje, não tem quem fiscalize, veja assoreamento, loteamentos irregulares. Você tem uma degradação das matas ciliares e a ocupação imobiliária em torno das represas é muito grande. Você vê plantações enormes de eucaliptos em torno das represas, isso também faz com que se acelere a perda da capacidade de armazenamento, de esgotamento do manancial. Afeta profundamente. São políticas implementadas que fazem com que a Sabesp perca o poder de fiscalização, de interagir e preservar esse meio ambiente.

Há projetos de novas terceirizações do trabalho?

A Sabesp nunca escapa de projetos de terceirização. Essa é uma luta constante do Sindicato. Recentemente, a empresa lançou a ideia de privatizar os laboratórios das ETEs, as estações de tratamento de esgoto. Ela tem técnicos e químicos que operam os laboratórios e que cuidam da água de reuso, da qualidade dessa água que é oferecida. Esse é o projeto mais novo da Sabesp, terceirização dos laboratórios das ETEs Barueiri, ABC, São Miguel e Parque Novo Mundo.

A situação de crise hídrica tende a melhorar?

Nós tivemos recentemente uma palestra com um professor de hidrologia da Unicamp que colocou claramente que demora de três a cinco anos para recuperação. E tem que ter muita chuva. Às vezes, dá uma pancada de chuva, alaga determinada rua de São Paulo, aparece na televisão e a população pensa que já está resolvido o problema da seca e da escassez hídrica, mas não está.

O que tem de ser feito a longo prazo?

Do nosso ponto de vista, a primeira coisa que deveria ser modificada é a Sabesp voltar a ser 100% estatal, para que ela atenda as demandas da população. Saneamento e lucro são interesses contraditórios. Hoje, dentro dessa lógica de lucro, cidades com menos de 50 mil habitantes são “inviáveis”. E aí, como é que fica? A cidade fica sem abastecimento? Você não faz a rede? Isso é papel do Estado. O Estado tem que interferir e gastar dinheiro sim. Levar saneamento e saúde para a população. Quando ele gasta em saneamento, ele economiza em saúde, ele economiza na outra ponta. Não é gasto ou investimento a fundo perdido, como alguns falam. É investimento no bem-estar da população. Essa é a visão que deveria ser colocada em detrimento a do mercado. Esse é o ponto fundamental que a classe trabalhadora deve defender.

É possível o governo passar a defender a privatização completa da Sabesp?

Acho que nunca nós podemos descartar essa possibilidade, embora eu ache difícil a privatização total da Sabesp. Não interessa para o sistema privado. Imagine o sistema privado tomando conta e administrando uma crise dessas. Eles necessitariam do papel do Estado, de recorrer ao governo. A visão do mercado é a de que o público no dia-a-dia não funciona, mas na hora da crise eu preciso do público, aí eu vou lá e me socorro, para garantir o lucro. Mas a hipótese de privatização completa nunca pode ser descartada diante de um governo como esse, que vem aumentando a terceirização, vem atuando de outra forma. A população tem que estar atenta e se espelhar no que está ocorrendo em Itu, um local onde o saneamento foi privatizado. Tem que investigar a fundo o que está ocorrendo lá, quais são os interesses que estão sendo atendidos. Está faltando água para a população, mas e a indústria e os grandes condomínios privados? Será que lá também está faltando água. É um pequeno laboratório para o qual nós devemos voltar nossa atenção. Tenho certeza que a população é a mais prejudicada.

Um comentário:

  1. Não compreendo, já expliquei mas noto que falta mais; é assim o equipamento menorcontadeagua em m³ é igual a certeza de consumir água confortavelmente a menos de 10 m³ por mês e consequentemente pagar somente a taxa mínima para a SABESP.Digamos que vocês moram em um condomínio de 1000 condôminos,cada um vai pagar por somente à menos de 10 m³ Não me conformo,com tamanho desperdício da sua parte em continuar consumindo água acima da menorcontadeagua em m³; enquanto que o sensato é consumir água confortavelmente e pagar abaixo da menorcontadeagua em m³;sinceramente não me conformo
    Não me conformo, hoje é mais um dia que você não; não esta entre os que estão consumindo água confortavelmente à menos da menorcontadeagua em m³
    https://www.facebook.com/menorcontadeagua.blogspot.com.br…
    http://menorcontadeagua.blogspot.com.br/

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