Professor que passar em prova ganhará mais
Proposta cria cinco faixas salariais, e nº de atingidos deve ser de até 20% dos docentes; sindicato diz que poucos serão beneficiados
FÁBIO TAKAHASHI /TALITA BEDINELLI - Foha - 22.10.09
A Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou projeto da gestão José Serra (PSDB) que prevê aumento salarial extra de 25% aos professores que forem bem em uma prova.
Pela proposta, todos os anos os professores terão de passar por avaliação, que será organizada por uma empresa contratada pela Secretaria da Educação. Além do resultado no exame, que será realizado no início de 2010, também contarão a quantidade de faltas e o tempo de permanência na escola.
O número de beneficiados com o aumento extra dependerá dos recursos disponíveis e do desempenho no exame (haverá nota de corte), mas deverá ser de até 20% dos docentes.
O governador, que ainda precisa sancionar a lei, defende que o projeto cria um estímulo aos professores da rede, além de atrair jovens mais bem preparados para o magistério. A qualidade na educação é um dos principais problemas do governo.
"Todo mundo, para trabalhar bem, precisa ter um incentivo ao longo da vida", disse Serra.
Já a oposição e a Apeoesp (sindicato dos professores do Estado) afirmam que os aumentos previstos beneficiarão poucos professores, o que desestimulará os demais.
O projeto prevê a criação de cinco faixas salariais. Os professores que passarem de faixa e receberem o reajuste terão de esperar três anos para pleitear a nova promoção e receber mais 25% de aumento.
Quem não estiver entre os mais bem avaliados e não receber o aumento seguirá na política regular de reajuste na rede.
O governo diz que a política de bônus, que premia os professores de acordo com o desempenho das escolas, será mantido.
Guerra política
A presidente da Apeoesp, Maria Izabel Noronha, promete uma "guerra política" contra o governo e os deputados que aprovaram o projeto -Serra é um dos cotados para concorrer à Presidência em 2010. "Todos os deputados que votaram "sim" serão exibidos em cartazes."
O Centro do Professorado Paulista afirma que entrará na Justiça contra a lei.
Pesquisadores entrevistados concordaram com a ideia de premiar os melhores professores, mas questionam alguns dos critérios. "Não há evidências de que o professor que vai bem numa prova sabe ensinar bem", disse Eduardo Andrade, do Insper (ex-Ibmec SP).
"Conhecer a matéria é o mínimo para poder ensinar", rebate o secretário da Educação, Paulo Renato Souza.
Segundo o governo, um professor do antigo primário, cujo piso salarial é de R$ 1.597, chegará ao final de carreira (cerca de 25 anos de trabalho) a um salário final de R$ 6.300, se atingir a quinta faixa. Se nunca for promovido de faixa, chegará a R$ 3.200 -terá apenas os reajustes por tempo de serviço.
O secretário Paulo Renato afirma que, neste primeiro ano, há recursos para autorizar os 20% de promoções.
Divergências
Com o apoio dos deputados governistas, o projeto foi aprovado por 48 votos a 21.
"O texto fala em até 20% dos professores. Se der na telha do governo, pode cair para 10% ou até menos", criticou o deputado Roberto Felício (PT).
"Além disso, os aposentados não receberão os reajustes.
Aqueles que dedicaram a vida toda à educação ficarão com os salários congelados por tempo indeterminado", afirmou.
Simulação do secretário da Educação aponta que 75% dos docentes chegarão à faixa mais alta até o final da carreira, desde que haja recursos no período e os professores tirem as notas exigidas. Ele afirma também que os professores se aposentarão com os salários reajustados.
Cerca de 600 professores, segundo a PM, protestaram em frente à Assembleia contra o projeto. Houve empurra-empurra, mas ninguém se feriu.
Risco é criar elite em meio a mal remunerados
É preciso recuperar as médias salariais no magistério, para que a carreira volte a atrair os melhores profissionais
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
A ausência de incentivos aos melhores professores na rede pública é frequentemente citada em estudos sobre a educação brasileira como um dos entraves à melhoria da qualidade do ensino. A medida proposta pelo governo de São Paulo, portanto, tem respaldo na literatura acadêmica sobre o tema.
Em praticamente todas as carreiras do setor privado, é normal que os que mais se destaquem sejam recompensados.
Há, no entanto, um sério risco a ser evitado no caso da educação: criar uma elite de profissionais bem pagos no meio de uma maioria de professores com salários seriamente defasados em comparação com outras carreiras de nível superior.
É comum, em reportagens sobre a qualidade do ensino, destacar só as piores escolas -quando o objetivo é enfatizar os maus resultados da educação brasileira- ou as melhores -quando se pretende mostrar que há algumas ilhas de excelência, mesmo no setor público.
Só que o desafio da educação brasileira não está apenas nas piores nem, obviamente, nas melhores. O problema é que, na média, estamos muito mal quando comparados com nações desenvolvidas.
Usando a mesma lógica, é importante criar incentivos para que os melhores professores sejam mais valorizados.
Mas essa ação não deve ser feita em prejuízo da perspectiva de que é preciso recuperar as médias salariais no magistério, para que a carreira volte a atrair, mesmo que a médio e longo prazos, os melhores profissionais formados pelas universidades.
Caso contrário, criaremos, mais uma vez, uma elite no setor público atendida por bons professores, enquanto a maioria dos alunos continuará tendo aulas com profissionais mal preparados e desmotivados.
entrevista
"Melhores poderiam ser referência"
DA REPORTAGEM LOCAL
A doutora em educação pela Universidade Harvard (EUA) Paula Louzano elogiou o projeto. A principal vantagem, diz, é que os professores não precisam deixar de lecionar para progredir na carreira. Antes, o professor tinha de buscar cargo de chefia, como de diretor, para passar o teto. (FT)
FOLHA - Como vê o projeto?
PAULA LOUZANO - É interessante que o professor possa progredir na carreira sem que precise deixar a sala de aula. Atualmente, a evolução na carreira conta o tempo de serviço e os títulos [cursos que os professores fazem]. As pesquisas mostram que não há relação desses fatores com melhoria na qualidade da educação. Por isso, como ideia, acho o projeto aprovado interessante. Mas agora precisamos acompanhar a implementação. O México já fez um sistema parecido.
FOLHA - Qual é o resultado lá?
LOUZANO - Há muita pressão dos sindicatos. Foi necessário fazer concessões. Agora, quase todo mundo recebe o benefício.
FOLHA - Há ajustes a fazer no projeto de São Paulo?
LOUZANO - Além de aumentar salários, os melhores professores poderiam ser identificados como referência para os demais. Analisar, por exemplo, as suas práticas, que poderiam ajudar os demais.
entrevista
"Poderia medir o quanto a turma melhora"
DA REPORTAGEM LOCAL
O pesquisador do Insper (ex-Ibmec SP) Eduardo Andrade afirma que o governo poderia ter escolhido outros critérios para definir quais professores receberão os reajustes.
Ele sugere que seja avaliada a evolução das turmas dos docentes. (FT)
FOLHA - Como vê o projeto?
EDUARDO ANDRADE - O único ponto de que discordo é quanto ao uso da prova para definir quem receberá reajuste. Estudos mostram que um professor que sabe muito bem o conteúdo não necessariamente sabe ensinar ou identificar alunos com dificuldades. Mas concordo com a lógica de beneficiar os melhores. Usar critérios como assiduidade e tempo de permanência na mesma escola é importante.
FOLHA - Se não usar a prova, quais as alternativas?
ANDRADE - A Secretaria da Educação poderia medir o quanto a turma daquele professor melhora de um ano para o outro. Já há exames, como o Saresp (do próprio Estado), que avaliam os alunos. Com base nele, é pago um bônus para todos os servidores das escolas que melhoraram.
Seria preciso só aperfeiçoar um pouco os instrumentos, porque é importante saber qual professor está fazendo um bom trabalho. Um mau professor não pode ser beneficiado pelo trabalho do restante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário