Nova
York - Se ainda havia qualquer dúvida de que estamos vivendo na era do
indivíduo, uma olhada nos dados imobiliários confirma isso. Durante
milênios, as pessoas viveram amontoadas em cavernas, cabanas de barro,
prédios de apartamento e casinhas térreas. Mas nos dias de hoje, uma em
cada quatro moradias americanas está ocupada por alguém que vive só; em
Manhattan, a terra mítica dos solitários, o número chega a quase uma em
cada duas.
Ultimamente,
além de estatísticas convincentes, parece estar ocorrendo uma discreta
campanha de marketing, como se viver sozinho fosse um candidato político
tentando melhorar sua imagem. Dois exemplos notáveis: Eric Klinenberg,
professor de sociologia na Universidade de Nova York, publicou o livro
“Going Solo: The Extraordinary Rise and Surprising Appeal of Living
Alone" (Carreira solo: a extraordinária ascensão e o surpreendente
encanto da vida solitária, em tradução livre), uma carta de amor à vida
solitária, que, segundo ele, é "um incrível experimento social" que
revela "que a espécie humana está desenvolvendo novas formas de viver".
E, no último outono do Hemisfério Norte, uma reportagem de capa da
revista Atlantic examinou a ascensão da mulher solteira, um artigo no
qual a autora Kate Bolick falava com carinho do Barbizon Hotel e de um
conjunto de apartamentos exclusivo para mulheres comprometidas com a
vida de solteira em Amsterdã.
"Eu
achava linda a vida de pessoas que vivem sozinhas - eu realmente queria
isso pra mim", afirmou Bolick, que está no final da casa dos trinta
anos e é proprietária de um apartamento no bairro do Brooklyn Heights,
em Brooklyn.
É verdade, há muitos benefícios em se viver sozinho:
liberdade de ir e vir a qualquer hora; espaço e tranquilidade para se
desconectar do mundo; domínio total sobre o espaço da cama.
Ainda assim, conforme a TV nos ensinou, casas de um habitante são terreno fértil para o cultivo de excentricidades.
De
certa forma, viver sozinho representa uma autolibertação. Na ausência
daquilo que Klinenberg chama de "olhos de vigilância", o habitante
solitário está livre para se entregar a seus hábitos mais estranhos - o
que às vezes é chamado de Comportamento Secreto do Solteiro. Você quer
ficar pelado no meio da cozinha às duas da manhã comendo manteiga de
amendoim direto do pote? Quem é que vai ficar sabendo?
Amy
Kennedy, 28, uma professora que vive sozinha em seu apartamento de dois
quartos em High Point, na Carolina do Norte, chama isso de viver sem "os
freios e os contrapesos da sociedade".
Os efeitos são notáveis, comentou: "Eu vivo sozinha há seis anos e me tornei cada vez mais estranha".
Entre
suas bizarrices domésticas: correr sem sair do lugar durante os
comerciais da TV, treinar sozinha a pronúncia do francês enquanto
prepara o café da manhã (ela escuta um curso em CD); cantar músicas do
Journey no banho e tirar da secadora apenas as roupas que ela precisa,
transformando-a em um guarda-roupa improvisado.
"O apartamento
inteiro se torna a sua sala", afirmou Kennedy, tentando se explicar. "Se
eu deixo um sutiã na mesa da cozinha, eu nem penso muito a respeito".
Para
Bolick, que também viveu com colegas e namorados, viver sozinha a
ajudou a desenvolver "um estilo de trabalho muito indulgente".
"Eu
posso trabalhar 24 horas por dia a semana inteira, deixar que meu
apartamento desabe sobre mim e nunca lavar a louça", ela continuou. "E
ninguém está nem aí".
Bolick tem até uma roupa para ficar em casa
sozinha. "Eu tenho essa calça de linho que vai até o joelho. É como uma
calça de moletom. Ela é tão estranha", afirmou. "Se alguém chega em
casa, eu troco de roupa".
Nem mesmo os namorados já a viram com
ela? "Não, não", afirmou Bolick, rindo. "Seria o cúmulo da intimidade se
alguém me visse usando essa calça."
Com
o passar do tempo, as pessoas que vivem sozinhas desenvolvem dentro de
casa uma personalidade completamente diferente - de diversas maneiras -
daquela que elas apresentam para o mundo. É claro que todos nós temos
uma personalidade privada, mas as pessoas que vivem sozinhas têm muito
mais tempo explorá-la.
As indulgências do solitário Rod Sherwood
se concentram em seus hábitos de sono. Empresário e produtor musical,
ele trabalha em seu apartamento no Brooklyn. Aos 40 anos, Sherwood
afirmou que vai se deitar às 2 da manhã uma noite, e que a cada dia vai
se deitar um pouco mais tarde, "até eu ir dormir quando o sol estiver
nascendo".
Ele refletiu: "Quantas vezes por ano será que eu repito esse ciclo? Eu gostaria de mapear esse processo".
Ronni
Bennett, que tem 70 anos e mantém um blog sobre o envelhecimento, o
timegoesby.net, viveu sozinha praticamente todos a sua vida adulta,
menos cerca de 10 anos. Ela afirmou que adotou um hábito clássico de
quem vive só: "Eu jamais fecho a porta do banheiro".
Outras
pessoas dizem que suas maiores excentricidades surgem na cozinha. Comer
pode ser um ato pessoal e até mesmo constrangedor, e quando não há um
parceiro ou colega de quarto, abordagens pouco convencionais em relação à
comida podem surgir. Beber direto da caixa é só o começo.
"Eu
quase nunca faço o que você chamaria de 'refeição'", afirmou Steve
Zimmer, um programador de 40 e poucos anos que vive sozinho em um loft
em Manhattan. Segundo ele, ao invés de refeições em horários normais,
ele faz "seis ou sete" incursões por hora à geladeira e vive basicamente
de cereais.
Bolick, a autora da reportagem, sobrevive de sementes
e nozes, algo que ela só notou recentemente, quando dividiu uma casa
com um casal de Los Angeles. O marido disse a Bolick que ela se daria
bem em um terremoto, porque "Eu comia o equivalente a uma ração de
emergência".
Sasha
Cagen, fundadora do site quirkyalone.net, é um tipo de porta-voz e
lobista não oficial dos solitários. Cagen, que já dividiu residências no
passado e que agora vive sozinha em Oakland, Califórnia, afirma que ao
invés de cozinhar uma grande refeição para uma pessoa - uma perspectiva
pouco animadora -, ela cria o jantar a partir de "objetos isolados": "Às
vezes eu vejo que tenho, tipo, uma batata-doce", comentou. "E digo a
mim mesma: 'vou colocá-la no forno com papel alumínio e comer'."
Essa
é uma solução para o problema de muitas pessoas com as comidas que
estragam. Mas para Cagen, esses jantares improvisados ressaltam um dos
prazeres de se viver sozinho. "Você tem liberdade de se soltar de
verdade e ser você mesmo quando vive sozinho, e muitas pessoas invejam
isso", afirmou.
Sobretudo
quem jamais passou por essa experiência. Por exemplo, Chad Griffth, 29
anos, um fotógrafo do Brooklyn que saiu direto da casa de seus pais para
viver com outros colegas durante e depois da faculdade e, em seguida,
para um apartamento dividido com sua noiva.
"Eu nunca vivi sozinho em toda a minha vida", afirmou Griffith.
Ao
invés disso, ele realiza o que chama de "Dia do Chad", algo que ele
espera ansiosamente para fazer sempre que sua namorada sai da cidade.
"Basicamente, sou eu fazendo as coisas mais estúpidas", afirmou. "Eu me
sentiria culpado se qualquer outra pessoa me visse."
Alguns exemplos do que ele faz?
"Eu
já tomei champanhe às 8 da manhã durante o banho", comentou Griffith.
"Eu jogo 'Madden NFL Football' por 10 horas seguidas, como pizza de pão
francês em todas as refeições do dia."
Mas viver sozinho é uma
habilidade que requer controle e Griffith descobriu que isso não é o seu
forte. Segundo ele, os Dias do Chad são o máximo que ele consegue
suportar.
"Eu sou literalmente descontrolado", afirmou. "Se eu
vivesse sozinho e sem ninguém para me controlar, eu seria um
desempregado gordo e alcoólatra."
Com
frequência, há outra preocupação para pessoas que se sentem
confortáveis, ou mesmo bem, com a vida solitária: o medo de que seus
hábitos domésticos estejam, por assim dizer, cimentados e de que seja
difícil voltar a viver com outra pessoa. "Isso é definitivamente algo
que me preocupa", afirmou Kennedy. "Eu não vou deixar de ter essas
manias."
Quanto mais tempo ela vive sozinha, menos flexível ela se
torna - e menos preocupada com as necessidades dos outros. "Quando saio
de férias com um grupo de amigos, eu me sinto um pouco sufocada",
contou. "Eu vou ter que dividir este quarto com outras pessoas? Vamos
ter que combinar a hora do banho?"
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