Cineasta Carlos Reichenbarch |
Por André Barcinski
Peço licença para voltar ao assunto da morte do querido Carlão Reichenbach. Só que, dessa vez, para reclamar.
Li, há pouco, a declaração da Ministra da Cultura, Ana de Hollanda, sobre Reichenbach:
“Um cineasta inquieto, vanguardista que, por trilhar caminhos
menos usuais entre os cineastas tradicionais, foi taxado como autor de
filme marginal e da Boca do Lixo. No entanto, apaixonado pelo cinema em
si, foi autor de obras-primas como ‘Anjos do Arrabalde’ e ‘Alma
Corsária’, entre outras.”
É uma das declarações mais preconceituosas, desconexas e ignorantes que já li.
Saber que a Ministra da Cultura declarou isso dá depressão. Mostra um
total desconhecimento da história do cinema brasileiro e do cinema
paulista em particular.
Ministra Ana de Hollanda |
Vamos lá: em primeiro lugar, Carlão não foi considerado “marginal” e
“da Boca do Lixo” por “trilhar caminhos menos usuais entre os cineastas
tradicionais”.
Isso dá a entender que ele era um “cineasta tradicional” (daí o
“entre” usado pela Ministra, incluindo Carlão no grupo) que optou por
“trilhar caminhos menos usuais”.
“Menos usuais” para quem, cara-pálida? Para a geração de Carlão,
formada nos cineclubes e fora do circuito estatal de financiamento, a
liberdade criativa da Boca do Lixo era a única opção. Ou foi, por um bom
tempo.
O “foi taxado” implica quase num xingamento, como se “cineasta
marginal” e “da Boca do Lixo” fossem estágios menores na carreira de um
homem de cinema. Além do erro grosseiro de usar “taxado” no lugar de
“tachado”, claro.
Só lembrando que “tachado” significa “a que se apontou defeito ou tacha”.
Aí vem a pior parte: “No entanto, apaixonado pelo cinema em si, foi autor de obras-primas…”
“No entanto”? O que isso quer dizer? Será que Ana de Hollanda quis dizer que “apesar de ser da Boca, ele era um ótimo cineasta?
E “apaixonado pelo cinema em si”? Quer dizer que o cinema da Boca não
era cinema? Ou era um tipo de cinema que não se incluía no “cinema em
si”?
A frase inteira, começando em “no entanto”, dá a entender que Carlão
fez obras-primas “apesar” de ser associado ao cinema marginal e da Boca
do Lixo.
Ministra, um toque: Cinema Marginal não é cinema feito por marginais.
Não é cinema menor e não é demérito para ninguém estar incluído nesse
grupo “marginal”.
A Boca do Lixo foi um dos capítulos mais bonitos de nosso cinema, um
oásis de liberdade e independência, uma célula de resistência que
teimava em sobreviver num cinema quase sempre dependente do Estado.
E o Estado brasileiro, desde sempre, fez questão de varrer o cinema da Boca do Lixo para baixo do tapete oficial.
Agora, que morreu um dos maiores nomes do cinema rebelde, autoral e
independente brasileiro, só peço à ministra que não continue a
varredura.
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