Um
propinoduto criado para desviar milhões das obras do Metrô e dos trens
metropolitanos foi montado durante os governos do PSDB em São Paulo.
Lobistas e autoridades ligadas aos tucanos operavam por meio de
empresas de fachada
PROTEÇÃO GARANTIDA
Os governos tucanos de Mario Covas (abaixo), Geraldo Alckmin
e José Serra (acima) nada fizeram para conter o esquema de corrupção
Ao assinar um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade), a multinacional alemã Siemens lançou luz sobre um milionário
propinoduto mantido há quase 20 anos por sucessivos governos do PSDB em
São Paulo para desviar dinheiro das obras do Metrô e dos trens
metropolitanos. Em troca de imunidade civil e criminal para si e seus
executivos, a empresa revelou como ela e outras companhias se
articularam na formação de cartéis para avançar sobre licitações
públicas na área de transporte sobre trilhos. Para vencerem
concorrências, com preços superfaturados, para manutenção, aquisição de
trens, construção de linhas férreas e metrôs durante os governos
tucanos em São Paulo – confessaram os executivos da multinacional alemã
–, os empresários manipularam licitações e corromperam políticos e
autoridades ligadas ao PSDB e servidores públicos de alto escalão. O
problema é que a prática criminosa, que trafegou sem restrições pelas
administrações de Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, já era
alvo de investigações, no Brasil e no Exterior, desde 2008 e nenhuma
providência foi tomada por nenhum governo tucano para que ela parasse.
Pelo contrário. Desde que foram feitas as primeras investigações, tanto
na Europa quanto no Brasil, as empresas envolvidas continuaram a
vencer licitações e a assinar contratos com o governo do PSDB em São
Paulo. O Ministério Público da Suíça identificou pagamentos a
personagens relacionados ao PSDB realizados pela francesa Alstom – que
compete com a Siemens na área de maquinários de transporte e energia –
em contrapartida a contratos obtidos. Somente o MP de São Paulo abriu
15 inquéritos sobre o tema. Agora, diante deste novo fato, é possível
detalhar como age esta rede criminosa com conexões em paraísos fiscais e
que teria drenado, pelo menos, US$ 50 milhões do erário paulista para
abastecer o propinoduto tucano, segundo as investigações concluídas na
Europa.
SUSPEITOS
Segundo o ex-funcionário da Siemens, Ronaldo Moriyama (foto menor),
diretor da MGE, e Décio Tambelli, ex-diretor do Metrô, integravam o esquema
As provas oferecidas pela Siemens e por seus executivos ao Cade são
contundentes. Entre elas, consta um depoimento bombástico prestado no
Brasil em junho de 2008 por um funcionário da Siemens da Alemanha.
ISTOÉ teve acesso às sete páginas da denúncia. Nelas, o ex-funcionário,
que prestou depoimento voluntário ao Ministério Público, revela como
funciona o esquema de desvio de dinheiro dos cofres públicos e fornece
os nomes de autoridades e empresários que participavam da tramoia.
Segundo o ex-funcionário cujo nome é mantido em sigilo, após ganhar uma
licitação, a Siemens subcontratava uma empresa para simular os serviços
e, por meio dela, realizar o pagamento de propina. Foi o que aconteceu
em junho de 2002, durante o governo de Geraldo Alckmin, quando a
empresa alemã venceu o certame para manutenção preventiva de trens da
série 3000 da CPTM (Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos). À
época, a Siemens subcontratou a MGE Transportes. De acordo com uma
planilha de pagamentos da Siemens obtida por ISTOÉ, a empresa alemã
pagou à MGE R$ 2,8 milhões até junho de 2006. Desse total, pelo menos R$
2,1 milhões foram sacados na boca do caixa por representantes da MGE
para serem distribuídos a políticos e diretores da CPTM, segundo a
denúncia. Para não deixar rastro da transação, os saques na boca do
caixa eram sempre inferiores a R$ 10 mil. Com isso, o Banco Central não
era notificado. “Durante muitos anos, a Siemens vem subornando
políticos, na sua maioria do PSDB, e diretores da CPTM.
A MGE é frequentemente utilizada pela Siemens para pagamento de
propina. Nesse caso, como de costume, a MGE ficou encarregada de pagar a
propina de 5% à diretoria da CPTM”, denunciou o depoente ao Ministério
Público paulista e ao ombudsman da empresa na Alemanha. Ainda de
acordo com o depoimento, estariam envolvidos no esquema o diretor da
MGE, Ronaldo Moriyama, segundo o delator “conhecido no mercado
ferroviário por sua agressividade quando se fala em subornar o pessoal
do Metrô de SP e da CPTM”, Carlos Freyze David e Décio Tambelli,
respectivamente ex-presidente e ex-diretor do Metrô de São Paulo, Luiz
Lavorente, ex-diretor de Operações da CPTM, e Nelson Scaglioni,
ex-gerente de manutenção do metrô paulista. Scaglioni, diz o depoente,
“está na folha de pagamento da MGE há dez anos”. “Ele controla diversas
licitações como os lucrativos contratos de reforma dos motores de
tração do Metrô, onde a MGE deita e rola”.
O encarregado de receber o dinheiro da propina em mãos e repassar às autoridades era Lavorente. “O mesmo dizia que (os valores) eram repassados integralmente a políticos do PSDB” de São Paulo e a partidos aliados. O modelo de operação feito pela Siemens por meio da MGE Transportes se repetiu com outra empresa, a japonesa Mitsui, segundo relato do funcionário da Siemens. Procurados por ISTOÉ, Moriyama, Freyze, Tambelli, Lavorente e Scaglioni não foram encontrados. A MGE, por sua vez, se nega a comentar as denúncias e disse que está colaborando com as investigações.
O encarregado de receber o dinheiro da propina em mãos e repassar às autoridades era Lavorente. “O mesmo dizia que (os valores) eram repassados integralmente a políticos do PSDB” de São Paulo e a partidos aliados. O modelo de operação feito pela Siemens por meio da MGE Transportes se repetiu com outra empresa, a japonesa Mitsui, segundo relato do funcionário da Siemens. Procurados por ISTOÉ, Moriyama, Freyze, Tambelli, Lavorente e Scaglioni não foram encontrados. A MGE, por sua vez, se nega a comentar as denúncias e disse que está colaborando com as investigações.
Além de subcontratar empresas para simular serviços e servir de ponte para o desvio de dinheiro público, o esquema que distribuiu propina durante os governos do PSDB em São Paulo fluía a partir de operações internacionais. Nessa outra vertente do esquema, para chegar às mãos dos políticos e servidores públicos, a propina circulava em contas de pessoas físicas e jurídicas em paraísos fiscais. Uma dessas transações contou, de acordo com o depoimento do ex-funcionário da Siemens, com a participação dos lobistas Arthur Teixeira e Sérgio Teixeira, através de suas respectivas empresas Procint E Constech e de suas offshores no Uruguai, Leraway Consulting S/A e Gantown Consulting S/A. Neste caso específico, segundo o denunciante, a propina foi paga porque a Siemens, em parceria com a Alstom, uma das integrantes do cartel denunciado ao Cade, ganhou a licitação para implementação da linha G da CPTM. O acordo incluía uma comissão de 5% para os lobistas, segundo contrato ao qual ISTOÉ teve acesso com exclusividade, e de 7,5% a políticos do PSDB e a diretores da área de transportes sobre trilho. “A Siemens AG (Alemanha) e a Siemens Limitada (Brasil) assinaram um contrato com (as offshores) a Leraway e com a Gantown para o pagamento da comissão”, afirma o delator. As reuniões, acrescentou ele, para discutir a distribuição da propina eram feitas em badaladas casas noturnas da capital paulista. Teriam participado da formação do cartel as empresas Alstom, Bombardier, CAF, Siemens, TTrans e Mitsui. Coube ao diretor da Mitsui, Masao Suzuki, guardar o documento que estabelecia o escopo de fornecimento e os preços a serem praticados por empresa na licitação.
Além de subcontratar empresas que serviram de ponte para o desvio
de dinheiro público, o esquema valeu-se de operações em paraísos fiscais
de dinheiro público, o esquema valeu-se de operações em paraísos fiscais
Os depoimentos obtidos por ISTOÉ vão além das investigações sobre o
caso iniciadas há cinco anos no Exterior. Em 2008, promotores da
Alemanha, França e Suíça, após prender e bloquear contas de executivos
do grupo Siemens e da francesa Alstom por suspeita de corrupção,
descobriram que as empresas mantinham uma prática de pagar propinas a
servidores públicos em cerca de 30 países. Entre eles, o Brasil. Um dos
nomes próximos aos tucanos que apareceram na investigação dos
promotores foi o de Robson Marinho, conselheiro do Tribunal de Contas
do Estado (TCE) nomeado pelo então governador tucano Mário Covas. No
período em que as propinas teriam sido negociadas, Marinho trabalhava
diretamente com Covas. Proprietário de uma ilha paradisíaca na região
de Paraty, no Rio de Janeiro, Marinho foi prefeito de São José dos
Campos, ocupou a coordenação da campanha eleitoral de Covas em 1994 e
foi chefe da Casa Civil do governo do Estado de 1995 a abril de 1997.
Numa colaboração entre promotores de São Paulo e da Suíça, eles
identificaram uma conta bancária pertencente a Marinho que teria sido
abastecida pela francesa Alstom. O MP bloqueou cerca de US$ 1 milhão
depositado. Marinho é até hoje alvo do MP de São Paulo. Procurado, ele
não respondeu ao contato de ISTOÉ. Mas, desde que estourou o escândalo,
ele, que era conhecido como “o homem da cozinha” – por sua proximidade
com Covas –, tem negado a sua participação em negociatas que
beneficiaram a Alstom.
Entre as revelações feitas pela Siemens ao Cade em troca de imunidade está a de que ela e outras gigantes do setor, como a francesa Alstom, a canadense Bombardier, a espanhola CAF e a japonesa Mitsui, reuniram-se durante anos para manipular por meios escusos o resultado de contratos na área de transporte sobre trilhos. Entre as licitações envolvidas sob a gestão do PSDB estão a fase 1 da Linha 5 do Metrô de São Paulo, as concorrências para a manutenção dos trens das Séries 2.000, 3.000 e 2.100 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a extensão da Linha 2 do metrô de São Paulo. Também ocorreram irregularidades no Projeto Boa Viagem da CPTM para reforma, modernização e serviço de manutenção de trens, além de concorrências para aquisição de carros de trens pela CPTM, com previsão de desenvolvimento de sistemas, treinamento de pessoal, apoio técnico e serviços complementares.
Com a formação do cartel, as empresas combinavam preços e condicionavam
a derrota de um grupo delas à vitória em outra licitação superfaturada
a derrota de um grupo delas à vitória em outra licitação superfaturada
Com a formação do cartel, as empresas combinavam preços e condicionavam
a derrota de um grupo delas à vitória em outra licitação também
superfaturada. Outra estratégia comum era o compromisso de que aquela
que ganhasse o certame previamente acertado subcontratasse outra
derrotada. Tamanha era a desfaçatez dos negócios que os acordos por
diversas vezes foram celebrados em reuniões nos escritórios das empresas
e referendados por correspondência eletrônica. No início do mês, a
Superintendência-Geral do Cade realizou busca e apreensão nas sedes das
companhias delatadas. A Operação Linha Cruzada da Polícia Federal
executou mandados judiciais em diversas cidades em São Paulo e Brasília.
Apenas em um local visitado, agentes da PF ficaram mais de 18 horas
coletando documentos. Ao abrir o esquema, a Siemens assinou um acordo de
leniência, que pode garantir à companhia e a seus executivos isenção
caso o cartel seja confirmado e condenado. A imunidade administrativa e
criminal integral é assegurada quando um participante do esquema
denuncia o cartel, suspende a prática e coopera com as investigações. Em
caso de condenação, o cartel está sujeito à multa que pode chegar a
até 20% do faturamento bruto. O acordo entre a Siemens e o Cade vem
sendo negociado desde maio de 2012. Desde então, o órgão exige que a
multinacional alemã coopere fornecendo detalhes sobre a manipulação de
preços em licitações.
Só em contratos com os governos comandados pelo PSDB em São Paulo, duas importantes integrantes do cartel apurado pelo Cade, Siemens e Alstom, faturaram juntas até 2008 R$ 12,6 bilhões. “Os tucanos têm a sensação de impunidade permanente. Estamos denunciando esse caso há décadas. Entrarei com um processo de improbidade por omissão contra o governador Geraldo Alckmin”, diz o deputado estadual do PT João Paulo Rillo. Raras vezes um esquema de corrupção atravessou incólume por tantos governos seguidos de um mesmo partido numa das principais capitais do País, mesmo com réus confessos – no caso, funcionários de uma das empresas participantes da tramoia, a Siemens –, e com a existência de depoimentos contundentes no Brasil e no Exterior que resultaram em pelo menos 15 processos no Ministério Público. Agora, espera-se uma apuração profunda sobre a teia de corrupção montada pelos governos do PSDB em São Paulo. No Palácio dos Bandeirantes, o governador Geraldo Alckmin disse que espera rigor nas investigações e cobrará o dinheiro que tenha sido desviado dos cofres públicos.
Montagem sobre foto de: Carol Guedes/Folhapress (abre); Fotos: Ricardo Stuckert; Folhapress; Evelson de Freitas/AE
Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas
No IstoÉ
Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas
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