Programas de rádio feitos por alunos de escolas públicas em São Paulo mostram o alcance pedagógico da educomunicação
A matéria “Na onda da política”, da jornalista Phydia de Athayde (CartaCapital nº 405, republicada nas páginas anteriores), ao historiar o fechamento de emissoras comunitárias na região metropolitana de São Paulo, entre as quais a Rádio Heliópolis, em julho, levantou uma questão de fundo: o que impede, no Brasil, que o cidadão do século XXI exerça o direito de se expressar livremente segundo as garantias oferecidas pela Carta Magna, em vários de seus dispositivos? O artigo adianta algumas respostas, apontando para a complexidade do tema, envolvendo questões técnicas e jurídicas, sem negar, especialmente, a falta de vontade política para que sejam encontradas soluções que favoreçam o lado mais fraco da cadeia produtora e processadora de informações, o próprio povo.
Estamos falando de um contingente populacional que absolutamente desconhece os caminhos para o exercício da comunicação e da convivência com o sistema de meios de informação, como se o assunto não lhe dissesse respeito. Um enorme contingente humano desinformado, entre outros motivos, porque a escola que freqüentou jamais incluiu o direito ao exercício da comunicação entre seus tópicos curriculares. O cenário, contudo, começa a mudar.
Nas escolas públicas do município de São Paulo, entre 2001 e 2004, um total de 12 mil professores e alunos, além de membros das comunidades do entorno, tomou o direito à comunicação como tema de estudo e, mais ainda, como objeto de exercício coletivo. Os debates e as práticas laboratoriais davam-se ao redor da linguagem radiofônica. Foi o Educom.rádio (Educomunicação pelas ondas do rádio), implementado com a colaboração do Núcleo de Comunicação e Educação (NCE) da USP, mobilizando 455 escolas do ensino fundamental. Parte dessas escolas (250) recebeu os equipamentos e pôde instalar suas emissoras, na modalidade de “rádio restrita” (leia a seção “Em Sala”).
Em sua edição de 29 de julho, o Jornal da Tarde, em matéria intitulada “Alunos tocam a rádio escolar” informa que encontrou uma unanimidade entre os alunos da Emef Carlos Pasquale, na zona leste da capital: o prazer em participar da rádio da escola, que surgiu em 2002 por meio do projeto Educom.rádio. Registra, nesse sentido, o testemunho da aluna Rafaela dos Santos, da 5ª série: “Eu amo essa escola, principalmente a rádio. Lá a gente aprende coisas novas, se diverte...”
Experiência idêntica está vivendo a aldeia Xavante de Sangradouro, no Mato Grosso, onde o projeto educomunicativo do NCE/USP chegou como parte de um programa do MEC para levar a linguagem radiofônica a 80 escolas do ensino médio dos três estados da Região Centro-Oeste. No caso de Sangradouro, uma tradição milenar foi quebrada: mulheres indígenas que não se expressam em público, especialmente na presença masculina, foram as primeiras a produzir rádio e a difundir suas notícias, comentários e propostas de mudanças para a aldeia. No momento, estão resgatando a memória da tribo, usando gravadores de mão e um equipamento de edição de som.
Democracia tecnológica
O uso do rádio em escolas privadas de classe média alta (como no Colégio São Luís, em São Paulo) ou junto a instituições que trabalham com crianças provenientes de famílias com renda familiar de um salário mínimo (como é o caso da população atendida pela Fundação Hélio Alonso de Sousa – Fundhas –, em São José dos Campos, SP), pode parecer até meio fora de moda, diante do avanço das tecnologias digitais que trouxeram o computador para dentro da sala de aula e, com ele, a internet. A paixão pelo rádio explica-se, porém, pela descoberta de que a linguagem radiofônica tem sido capaz de facilitar o ideal de educadores, como Paulo Freire, de construir um processo educativo a partir do lugar cultural, social e político, onde os alunos se encontram.
O entusiasmo pelo rádio está presente fundamentalmente no trabalho de organizações não-governamentais. As ONGs têm a seu favor o fato de cuidarem de grupos pequenos, o que lhes garante certo controle sobre o processo, o apoio financeiro de instituições e empresas e suficiente visibilidade sobre os resultados alcançados. O que caracteriza o trabalho dessas organizações é a liberdade e a criatividade com que seus promotores implementam atividades essencialmente participativas, garantindo aos favorecidos não só o acesso, mas, sobretudo, o uso democrático dos recursos tecnológicos.
Quanto às escolas, tudo parece estar sempre para começar. Uma das causas do pouco entusiasmo de muitos educadores é o receio de terem de suportar o barulho ensurdecedor das caixas de som nos recreios, transmitidas por equipamentos mal sintonizados, sem que se possa nem mesmo saber do que estão falando. Outros ainda se perguntam: por que entregar equipamentos de som a estudantes indisciplinados, amantes de ruídos estridentes que se deliciam em repetir aos quatro ventos as baixarias que costumam ver e ouvir, todos os dias, na rua, ou mesmo na televisão ou na rádio comercial?
Em razão dessa timidez ou mesmo resistência, a Secretaria de Educação a Distância do MEC mantém, em seu site, um programa especial denominado Rádio Escola, incentivando os gestores escolares a pensar no rádio sempre que buscam o apoio das tecnologias. Em seu mais recente projeto de formação de professores, o Programa Mídias na Educação, destinado a 10 mil professores de todo o País, o MEC incluiu o rádio entre os meios de comunicação a ser trabalhados, juntamente com a produção videográfica, a produção gráfica e o uso da internet.
Usos da rádio em educação
Existem muitas formas de aproximar rádio e educação. A mais tradicional estabeleceu-se no âmbito da radiodifusão aberta, tanto AM quanto FM, com as denominadas “rádios educativas”. Outra modalidade é a veiculação de conteúdos educativos em “emissoras abertas”. Nos municípios de Santarém e Belterra, ambos no Pará, ganhou relevância, por exemplo, a experiência da Rádio Rural, que abre espaço para que professores e alunos de 400 escolas dos dois municípios mobilizem 37 mil alunos da floresta amazônica. Uma terceira modalidade tem sido a “radiodifusão comunitária”, objeto da reportagem de CartaCapital. Uma prática que aglutina a experiência da rádio comunitária com a emissão aberta, via FM, é a da rádio “Voz da Liberdade”, dirigida por crianças e adolescentes no Sertão do Ceará, na pequena cidade de Nova Olinda, no espaço da Fundação Casa Grande.
A grande novidade, no momento, é a introdução nas escolas da radiodifusão restrita. É importante lembrar que as rádios restritas não necessitam de autorização prévia do governo federal para ser instaladas e entrar em funcionamento.
As diferentes modalidades da integração do rádio à educação vêm ganhando um diferencial que as une: a possibilidade de que se transformem em um “prática educomunicativa”. O fato ocorre quando o uso da linguagem radiofônica se integra a outras linguagens; quando se garante, em igualdade de condições, o protagonismo do educador e do estudante; quando, finalmente, o uso do rádio, de uma forma democrática e participativa, passa a significar a vontade política da escola em reconhecer a importância de se trazer a comunicação para o centro dos processos educativos. Experiências como a do Educom.rádio apontam para a novidade de que o velho rádio continua sendo uma excelente opção quando se quer pensar numa educação renovada e mais próxima da realidade dos próprios educandos. Essa é a lição a ser apreendida, refletida e convertida em novas experiências.
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