25 de ago. de 2009

NÃO HÁ COMO A POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA SER, DE FATO, EFETIVA ENQUANTO ELA NÃO ASSUMIR A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

COMO UMA DAS SUAS PRINCIPAIS DIMENSÕES

Por Ivonaldo Leite - Doutor em Ciências da Educação pela Universidade do Porto e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), campus de Vitória. Artigo enviado pelo autor ao "JC e-mail":

Tornou-se um lugar-comum, já há algum tempo, afirmar que o futuro do Brasil depende da prioridade que se atribua à educação. Independentemente da perspectiva ideológica dos atores políticos, o brado tem sido um só: "educação para o bem da nação!"

Soa paradoxal, portanto, que, com um consenso tão amplo em torno do tema, sejam noticiados, de forma frequente, comprovados casos de sucateamento escolar, qualidade de ensino declinante, evasão estudantil etc. Mas, como se aparência e essência fossem a mesma coisa a abordagem racional e sistemática da realidade seria desnecessária, é preciso ter em conta que nem sempre o que a retórica proclama corresponde, em ato, ao que o sujeito retórico pratica. Negligencia- se na ação o que é assumido como prioridade no discurso.

Pois bem, no debate sobre a importância da educação para o futuro do país, um aspecto central, que tem sido negligenciado, é a formação de professores. É, no mínimo, ingenuidade imaginar que uma política educacional circunscrita apenas a medidas como descentralizaçã o de ações junto a prefeituras (para atender, por exemplo, as zonas rurais), prêmios a escolas que se destacam, burocratização de mecanismos de gestão, avaliações que avaliam só os produtos do sistema de ensino (e não os processos) etc., tem potencialidade para superar os desafios educacionais perante os quais o Brasil se encontra.

A propósito, no caso da "ação educativa" de algumas prefeituras interioranas, são bastante conhecidos, entre outros, os problemas envolvendo o transporte escolar rural, onde crianças e adolescentes enfrentam os mais diversos transtornos, em decorrência das condições impróprias dos veículos onde são conduzidos, mas que não são substituídos por serem carros agregados às prefeituras conforme o esquema de acomodação dos interesses dos correligionários de prefeitos e vereadores. Os transtornos nas viagens trazem cansaço aos estudantes, e o prejuízo para a sua aprendizagem é imenso. No entanto, via de regra, em governos de ontem e de hoje, a política educacional que tem predominado é a que propugna pelas referidas medidas.

Não há como a política educacional brasileira ser, de fato, efetiva enquanto ela não assumir a formação de professores como uma das suas principais dimensões. Como pensar que a educação é a ponte do país para um futuro promissor, se os agentes educativos, aqueles que no cotidiano escolar são responsáveis pelo processo de ensino, não tiveram/não têm a devida formação? Impossível. Por outro lado, conceber a formação docente como um aspecto-chave da política educacional, implica, de imediato, ter em conta enfrentar algumas questões a seu respeito.

A primeira questão diz respeito à (falsa) dicotomia licenciatura & bacharelado. Em muitas licenciaturas, sobretudo no campo das ciências físico-naturais, há uma oposição mecânica, sem sentido, entre formar para a docência e formar para pesquisa, atribuindo-se maior status a este último polo, de modo que, por vezes, procura-se descaracterizar quase por completo os cursos voltados à formação de professores, dando-lhes caráter de puro bacharelado.

Enquanto isso, o Brasil - principalmente as regiões Norte e Nordeste - pena pelo déficit de professores de ciências. É uma desinteligência imaginar que há docência sem pesquisa, assim como acreditar que é possível formar pesquisadores sem que eles tenham professores com sólida formação didático-cientí fica.

A segunda questão a enfrentar concerne à urgência de se exercer uma maior fiscalização/controle sobre a oferta de cursos de licenciatura, cuja qualidade pode ser adjetivada como duvidosa - a este respeito, a multiplicação dos cursos de pedagogia é algo que merece uma maior reflexão. Last but not least, uma terceira questão refere-se à formação continuada. Ou seja, é imprescindível estruturar programas sistemáticos que, com estímulo, assegurem aos professores as atualizações necessárias e a continuidade dos seus estudos no âmbito da pós-graduação.

Sem que a formação de professores seja, efetivamente, colocada em seu devido lugar no conjunto das políticas públicas, recebendo o tratamento adequado, o discurso segundo o qual a educação é a ponte para um futuro promissor do Brasil continuará, por certo, tendo utilidade retórica, mas sem nenhum efeito prático.

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