Essa é a taxa que o Ecad cobrou de ao menos dois blogs que
incorporaram vídeos do YouTube. Para advogados, cobrança é ilegal. Para
o Escritório, é trabalho de conscientização e esclarecimento
Por Tatiana de Mello Dias e Murilo Roncolato - Da A/E - 11.03.12
SÃO PAULO – Mariana Frioli, webdesigner de 28 anos, tem um blog em que comenta os livros que lê
e, vez ou outra, posta um vídeo com música ou trechos de filme. Ela não
faz upload nem distribui conteúdo pirata. Por isso, estranhou quando
recebeu uma ligação de um estagiário do Ecad. Ele lhe cobrava R$ 352,59.
Por mês.
Mariana não sabe como conseguiram o número – em seu blog, a única
forma de contato é via e-mail. O estagiário disse que ela teria de pagar
ao Ecad por ter incorporado um vídeo no YouTube. Era um trailer do
filme Delírios de Consumo de Becky Bloom. “Perguntei por que
teria que pagar se eu não fiz o upload e meu blog é pessoal. O rapaz
disse que, de acordo com o Ecad, retransmissão tem de ser paga, mesmo
que eles já tenham recebido do YouTube”, conta Mariana. Por via das
dúvidas, ela optou por tirar o vídeo do blog.
O blog Caligraffiti,
sobre design e arte, recebeu há duas semanas um e-mail do Ecad com o
mesmo recado. Uno de Oliveira, um dos donos do blog, diz ter ficado
surpreso e, por isso, pediu esclarecimentos. “Nós não ganhamos dinheiro,
só queremos escrever sobre arte”, diz.
No e-mail enviado pelo Ecad aos blogueiros, há uma explicação: os
sites foram enquadrados como “webcasting”, o que exige um pagamento de
R$ 352,59 mensais. O Ecad enviou aos blogueiros também um PDF de
“cadastro de mídias digitais”. O formulário tem espaço para endereço e
data de cobrança – tudo para facilitar o processo de pagamento.
“Mas a maioria dos blogs incorpora vídeos. Todos devem pagar? O
trailer não é criado para divulgação? O responsável pelo trailer já não
pagou pelo uso da música?”, questiona Mariana.
Segundo o escritório, os blogs cobrados “foram captados em um
trabalho rotineiro e receberam o contato”. “Não existe nenhum trabalho
de cobrança de direito autoral focado em blogs e sites, porém, todo
usuário que executa música publicamente pode receber um contato”,
explicou a assessoria de imprensa do órgão.
“A
cobrança é absolutamente ilegal”, afirma Sérgio Branco, doutor em
direito civil pela UERJ e pesquisador da FGV-Rio. “Quem está fazendo o
streaming é o YouTube, que já tem um acordo com o Ecad ”, explica. O
advogado Pedro Paranaguá, doutorando na Duke University School of Law,
concorda. “Um blog que insere músicas disponíveis no YouTube não está
retransmitindo nada. A transmissão é via YouTube. Não há que se falar em
cobrança alguma.”
O Google também defende os blogueiros. “O Ecad não pode cobrar por
vídeos do YouTube inseridos em sites”, escreveu Marcel Leonardi, diretor
de políticas institucionais no Google, no blog do YouTube. “Tratar
qualquer disponibilidade ou referência a conteúdos online como uma
execução pública é uma interpretação equivocada da Lei.”
Taxa. O Google fechou em 2010 um acordo com o Ecad
para pagar direitos autorais referentes ao YouTube. O valor exato,
calculado sobre a receita do site, não é divulgado, mas segundo o
Escritório as mídias digitais renderam mais de R$ 2,6 milhões no ano
passado. “A cobrança mensal foge completamente a qualquer critério de
proporcionalidade”, diz Sérgio Branco. “Há uma falta de critérios que
decorre da falta de fiscalização”.
Depois que o caso veio à tona, o Ecad afirmou que a cobrança
“decorreu de um erro de interpretação operacional”. Mas o escritório
sustenta a legalidade do trabalho. Segundo o Ecad, no documento assinado
com o YouTube “está definido que é possível fazer a cobrança das
músicas provenientes de vídeos incorporados desde que haja notificação
prévia ao Google”.
O escritório, no entanto, disse que está fazendo um trabalho de
“reavaliação”. O Ecad diz que as cobranças foram “fatos isolados” e não
soube dizer se há mais blogs que receberam o contato (ou já efetuaram o
pagamento).
O
Ecad havia justificado a cobrança afirmando que o contato com os blogs
fez parte de um trabalho de “conscientização e esclarecimento”. Hoje o
órgão tem cerca de 1,7 mil sites cadastrados que pagam direitos autorais
pelo uso de música na web. Para Branco, a justificativa da entidade é
mais um problema. “Cobrar de alguns blogs é escolher de quem cobrar, e
isso é ilegal. Ou o órgão tem o dever de cobrar ou não tem.”
“Teria de existir alguma instituição para fiscalizar o Ecad”, avalia o
professor da FAAP e advogado Guilherme Carboni. “A partir do momento
que há o recolhimento é preciso garantir que o elemento da ponta, o
compositor, receba.”
O caso acelerou o trabalho da CPI do Ecad, que corre no Senado desde
outubro do ano passado. “Essa ação do órgão é um exemplo concreto de que
o Ecad precisa ter algum tipo de fiscalização”, avalia o senador
Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), presidente da CPI. “A gênese de todos os
problemas é a ausência de transparência e a não existência de uma
fiscalização”, explica.
Segundo ele, a principal conclusão da CPI até agora é a necessidade
de se instituir uma supervisão ao Ecad. A próxima reunião da CPI
ocorrerá em São Paulo, no dia 26 de março. A expectativa é que o
relatório final seja apresentado em abril, com uma proposta de alteração
da Lei de Direitos Autorais.
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