Piçarras |
Para
reduzir a evasão na EJA (Educação de Jovens e Adultos), a professora
Maristela Gouveia foi buscar as raízes de seus alunos. “Comecei pela
árvore genealógica e eles comentaram que tiveram muitas lembranças da
família, do local onde moravam” contou a professora da Escola Municipal
Raul Pompeia, que fica na periferia da zona norte paulistana. A partir
das histórias, Maristela fez com que os alunos pensassem em músicas.
Assim, a ideia cresceu e acabou dando frutos como um livro e um sarau,
onde uma banda tocou as canções escolhidas pelos estudantes.
Um
dos maiores obstáculos dos educadores do EJA é manter os matriculados
na sala de aula. “Existe grande dificuldade de manter o aluno do EJA
dentro da escola. Eles têm muitos problemas, como a questão do horário
de trabalho. Eles também têm a autoestima um pouco baixa”, explica
Maristela.
Por
isso, a professora usou as histórias de vida de cada um como ferramenta
pedagógica. “Mediante cada música, a gente foi fazendo uma aproximação.
A gente estudou tudo que era possível, literatura, poesia,
interpretação, geografia, história. Além de trabalharmos a inclusão,
eles se sentirem importantes”, destaca a professora sobre o projeto.
“Quando você trabalha com o significativo, com projetos, você segura os
alunos, eles se sentem parte do processo”, complementa.
O
trabalho permitiu que Maristela percebesse que seus alunos tinham
trajetórias bastante semelhantes, o que se refletia na escolha das
músicas para representá-los. “São músicas que falam de partida. Música
que fala da seca no Nordeste, que fala do migrante que vem para cá e é
discriminado”, conta a professora, que aproveitou a deixa para
introduzir os jovens e adultos em atividades que estavam fora de sua
rotina. “Percebemos que eles tinham medo e receio de começar pintura a
guache. Dobradura, nenhum aluno da sala tinha feito”, comenta sobre a
produção que foi transformada em um livro apresentado no sarau.
Tudo
era novo para Geraldo Eloi, um mecânico industrial de 71 anos. “É a
primeira vez que me sento em uma sala de aula, que tenho uma professora
para me ensinar”, relata o estudante que veio para São Paulo aos 14 anos
e hoje tem seis filhos, com idades entre 24 e 44 anos. Ele buscou a
escola para ganhar familiaridade com as letras. “Escrever corretamente,
isso era o mais necessário”.
Agora,
Geraldo serve de exemplo para os colegas. “Para que um espelho melhor
que o seu Geraldo, 70 e poucos anos e estudando, vindo todo dia”,
comenta o educador ambiental Gileno Timóteo, que retomou os estudos após
17 anos. Originário de Gandu, no sul da Bahia, ele deixou a escola para
ajudar no sustento dos 14 irmãos. “Lá, a gente mexia com cacau. Eu
colhia o cacau, partia o cacau, secava naquelas barcaças grandes e
cuidava de animais também”, lembra.
Mas
foi o trabalho atual que o impulsionou a pegar de novo nos cadernos.
“Quando havia palestras sobre o meio ambiente na empresa em que
trabalho, sempre ia gente de fora, e quando eu ia explicar alguma coisa,
sentia que algumas palavras não estavam corretas”. Mas, apesar da
motivação inicial ter sido profissional, ele acredita que o maior ganho
foi no campo pessoal. “Eu estava quase perdendo a minha família. Porque
como não tive estudo, não media as palavras para falar com a minha
mulher, com o meu filho. Agora sim, estou sabendo como tratá-los”,
garante.
Para
a coordenadora da escola, Heraluise Marques, um importante diferencial
da abordagem é a ligação sentimental que ela permite. “Dá oportunidade
para eles se colocarem de outra forma, pela emoção. Eles se colocam como
pessoas, podem mostrar vivência. E o professor, por outro lado aprende
muito com o aluno”, comenta.
Além
do sarau, a escola desenvolveu o projeto Trabalhando Arte com Amor, que
atende a cerca de 300 alunos e ex-alunos, de diferentes idades, com
atividades como xadrez, música, dança e natação. Todas essas ações criam
um ambiente estimulante para professores e alunos, na opinião da
diretora Aparecida Ficz. “A gente vê um retorno rápido dos alunos, de
inclusão. Essas inclusões são trabalhadas de maneira diferenciada e o
retorno é muito rápido. A comunidade responde positivamente às propostas
da escola”, destaca.
A
opinião da diretora é confirmada pela aluna do EJA Sulamita Nascimento,
de 28 anos. “Eu acho que é uma forma de os professores se importarem
com a nossa história, de verdade”, diz sobre o sarau. A jovem pensa em
ser professora, deixando para trás os amargos tempos em que morou em uma
favela. À época, sua mãe cantava a música A Casa, de Toquinho e
Vinicius, para fazer graça sobre a situação do barraco que tanto
incomodava as filhas. No livro e no sarau, os versos “era uma casa muito
engraçada, não tinha teto, não tinha nada” levaram muitas lembranças a
Sulamita.
Que exemplo lindo! Um professor com sensibilidade para acolher e cativar é o ponto principal para garantir a motivação para esses alunos tão sofridos do EJA adquirirem perseverança para continuar. O Brasil precisa ter muitos professores assim como a professora Maristela e precisa aprender a demonstrar esse reconhecimento, valorizando mais os nossos professores e a escola. Um abraço. Fiquei muito feliz ao ler essa matéria.
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