Brizola Neto - Tijolaço - 30.06.2010
Pedi a alguns colaboradores para examinar o relatório final da CPI da Merenda Escolar feita pela Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, que examinou o processo de compra de gêneros alimentícios em licitação coordenada pelo então secretário municipal de Administração, Índio da Costa, em 2005. A relatora da CPI foi a vereadora dos PSDB, Andrea Gouvêa Vieira.
O relatório é o exemplo de como não se administra a coisa pública. A licitação teve um processo viciado, foi dominada por um cartel, segundo a CPI com conhecimento do próprio Índio da Costa, e resultou em prejuízo para o Rio e alimentação de baixa qualidade para os estudantes da rede pública. Deve ser assim o tal choque de gestão que tanto apregoam.
A história é longa e vou tentar resumi-la nos principais pontos. Vamos ao trechos essenciais do relatório. E, para que não se duvide da veracidade, coloco um link para o fac-símile das páginas do documento de onde foram tiradas as citações.
A Prefeitura do Rio abriu concorrência para a compra dos gêneros da merenda escolar no valor estimado de R$ 80.999.921,24, que eram destinados às 1054 escolas e 203 creches do município. A Comissão Especial de Licitação foi instituída por ato de Índio da Costa.
No dia 21 de março de 2005, foram recebidos os envelopes com a documentação e as propostas de 15 empresas. Os envelopes com a documentação foram abertos e os envelopes com as propostas de preços foram guardados no cofre da Secretaria Municipal de Administração.
No dia 23 de março de 2005, antes de a Comissão de Licitação ter concluído a análise da documentação, a empresa Milano obteve vistas dos documentos de suas concorrentes. Em 30 de março de 2005, após a avaliação da documentação, 11 empresas foram eliminadas, uma parcialmente habilitada e apenas três integralmente habilitadas: Milano, Frisa e Tavares.
Depois desse julgamento, outras empresas obtiveram vistas da documentação das concorrentes, o que a Milano já tinha feito anteriormente. Recebidos e julgados os recursos, apenas duas empresas permaneceram integralmente habilitadas para todos os grupamentos de alimentos, uma delas a Milano.
No dia 25 de abril de 2005, em horário diferente do consignado em ata, foi realizada a abertura dos envelopes de preços, que foram trazidos de andar diferente de onde tinham sido guardados. As propostas foram lidas e o resultado da licitação ficou para ser divulgado em momento oportuno. No dia 27 de abril foram anunciadas as vencedoras, com a Milano conquistando 76% dos segmentos (114 de um total de 150).
Após a divulgação do resultado, as quatro empresas que dividiriam 24% dos segmentos não vencidos pela Milano entraram com recurso administrativo para desistirem da licitação, alegando vícios de um processo que teria beneficiado a Milano. Uma dessas empresas noticiou supostas irregularidades na contratação da Milano, alegando que o balanço patrimonial dela não havia sido registrado e que ela participou da concorrência em associação com a Frigorífico Calombé, inscrita na dívida ativa do Município pelo não pagamento de multa por superfaturamento em contratos anteriores. A Comissão Especial de Licitação julgou improcedentes as acusações contra a Milano.
Com a saída de três empresas, a Milano assumiu essas posições e passou a deter 99% do fornecimento dos gêneros da merenda para a Prefeitura.
Em 12/07/2005 foi instaurado inquérito policial na Delegacia de Polícia Fazendária motivado por notícia-crime da existência de um cartel operando os contratos de fornecimento dos gêneros da merenda desde 1994. Foram citadas a Merkal Alimentos, o Frigorífico Calombé e a Comercial Milano.
Índio da Costa, então secretário municipal de Administração, foi convocado a depor em 3/10/2005, e o inquérito registra “que o depoente acredita que efetivamente tenha havido uma combinação entre os empresários e posteriormente um desentendimento”, quando perguntado sobre a denúncia de formação de cartel. (página 34)
Em ofício para a delegada titular Marta Cavaliére, Índio da Costa diz que “o fato de termos valores diferentes para gêneros iguais dá-se por conta dos custos de entrega em cada local (são mais de 1.300 locais de entrega em todo o município) e o histórico de participação dos concorrentes nas licitações dos últimos anos, cujos resultados sempre foram divulgados, conforme preceitua o princípio da publicidade.” (página 43)
A CPI contestou os argumentos de Índio da Costa. “O depósito da Milano e da Calombé, de onde partem as mercadorias para as escolas e creches, fica em local praticamente equidistante das escolas das 10 coordenadorias regionais de educação. A contradição sobre os preços fica ainda mais evidente quando na 10ª CRE, a mais distante, os preços de alguns grupamentos foram menores que para escolas de locais mais próximos.” (página 41)
As justificativas do secretário Índio da Costa para a aceitação de preços diferentes por parte de um mesmo fornecedor mereceram os seguintes comentários:
a) “Não há nenhum tipo de relação entre os preços ofertados pela Milano e a distância entre seu depósito e os locais das entregas.
b) “Se o histórico das licitações anteriores pôde, segundo o ex-secretário, antecipar informações estratégicas aos competidores, a Administração falhou por não ter evitado a repetição de um padrão que desaguaria, inevitavelmente, na frustração do caráter competitivo da licitação. Portanto, a licitação foi encaminhada de forma inconveniente, inoportuna e ineficiente, desfavorável à Administração e propícia à ocorrência de práticas concorrenciais desleais.”
Disse ainda a CPI que “a conduta astuciosa e maliciosa de qualquer licitante deve ser sempre afastada pela Administração. Porém, no caso em questão, tal não ocorreu. Não foi moral, nem eficiente, a contratação de uma mesma empresa que ofertou produtos idênticos por preços díspares.”
A CPI concluiu que a “a forma como foi conduzido o procedimento de licitação causou prejuízo para a Administração Municipal. Os objetivos traçados não foram alcançados, o modelo adotado foi equivocado e o grau de competitividade foi muito baixo.”
O objetivo da licitação era facilitar a participação de diferentes fornecedores, como açougues, padarias e armazéns, promovendo a participação de comerciantes locais. O próprio Índio da Costa falava em até 396 vencedores.
A CPI concluiu que o resultado da licitação resultou num quadro diametralmente oposto. “Os 396 possíveis vencedores projetados pelo ex-secretário transformaram-se em apenas dois, sendo que um deles com 99% dos contratos”. (página 38)
Índio da Costa disse singelamente à CPI que “apesar da nossa vontade de que 396 empresas participassem da licitação, infelizmente apenas cerca de 30 retiraram o Edital e cerca de 15 participaram depois, porém, várias delas não tinham instalações adequadas (…), portanto a metade do que a Milano ganhou não houve outro concorrente. Se não fosse a Milano…” (página 38)
O Tribunal de Contas do Município constatou coincidência de maiores descontos nas áreas onde havia concorrentes. Na maioria dos casos em que a Milano havia cotado sozinha os preços eram mais altos. (página 40)
A CPI apontou que o secretário de Administração não deveria ter homologado a licitação. “O ex-secretário deveria ter invalidado a concorrência e realizado novo processo licitatório com novas regras que impossibilitassem um resultado contrário ao próprio princípio licitatório.”
Na licitação de 2006 de compra dos mesmos gêneros da merenda houve economia de mais de 11 milhões para os cofres públicos em comparação com a de 2005.
Em depoimento à CPI, ao falar dos descontos obtidos na compra de gêneros para a merenda escolar, Índio da Costa revelou toda a sua modéstia “…como Secretário de Administração fiz um brilhante trabalho…” Mas o seu sucessor, Wagner Siqueira, afirmou que “quando falamos em economia, é preciso que se faça uma separação fundamental entre preço e desconto. O desconto é apenas uma referência (…) se o preço estiver muito alto, o desconto muito alto não significa nada.”
Concluiu a CPI que “sobre a hipótese de formação de cartel, o ex-secretário Índio da Costa declarou-se convencido de que esse quadro se repetia há muitos anos, mas omitiu-se e sequer mandou abrir sindicância.”
Além dos problemas na licitação, a qualidade do fornecimento deixou muito a desejar. Cíntia Teixeira de Souza Silva, presidente do Conselho Municipal de Alimentação, disse o seguinte: “a carne bovina apresentando altas reclamações de muito sebo e o frango, um degelo acima de 10%. A quantidade de perda vai diminuir na porção das crianças.” (página 64)
A CPI não pode quebrar o sigilo fiscal e bancário dos principais atores do processo e não teve como identificar vantagens pessoais, remetendo seu relatório ao MPE e ao prefeito.
Aí está, para os denodados setores da imprensa que desejarem contar a história da CPI da merenda, todos os fatos e documentos necessários para escreverem a história. Se quiserem o original, mandem comprar o Diário Oficial, onde saiu publicado o relatório.
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