13 de jun. de 2009

A esquerda e a luta contra a homofobia

Do Biscoito Fino e a massa - Idelber Avelar - 11.06

Eis a minha coluna deste mês na Revista Fórum, que chega em breve às bancas.

Nos Estados Unidos, a luta pelo casamento gay passa por um momento contraditório. Ela acumula vitórias nos lugares mais inesperados, como Iowa, e uma derrota catastrófica no habitat natural do movimento, a Califórnia. Não é ideal a posição conciliadora de Barack Obama, que defende as uniões civis -- que possibilitariam conquistas fundamentais, como os direitos de plano de saúde conjunto e de herança --, enquanto reserva o termo “casamento” para as uniões heterossexuais. Mas, pelo menos, Obama dá um passo adiante em relação à tradicional hipocrisia do Partido Democrata, que sempre contou com os votos de gays e lésbicas para, logo depois, rifá-los no jogo político.

Qualquer conhecedor da história da esquerda sabe como tem sido longo e acidentado o caminho de reconhecimento da luta gay/lésbica. Na esquerda tradicional, dos Partidos Comunistas, o completo descaso vinha, muitas vezes, recheado de homofobia explícita. Isso mudou, claro, e hoje uma Deputada como Jô Moraes, do PC do B de Minas, é uma das vozes mais incisivas na luta contra a homofobia. O PT, que sempre foi mais atento que a esquerda tradicional para as questões relacionadas à mulher e ao negro, demorou certo tempo em realmente acolher a luta antihomofóbica. Resta ainda um longo caminho que percorrer.

O crescente sucesso da parada gay de São Paulo e as iniciativas pioneiras de Marta Suplicy são capítulos dessa história, mas ela foi construída com uma luta que custou o sangue de muitos anônimos. O jornal O Lampião surge em 1978, em condições dificílimas. Em 1979, constitui-se em São Paulo o primeiro grupo de homossexuais organizados politicamente, o Somos. Seguem-se o Somos/RJ, Atobá e Triângulo Rosa no Rio, Grupo Gay da Bahia, Dialogay de Sergipe, Um Outro Olhar de São Paulo, Grupo Dignidade de Curitiba, Grupo Gay do Amazonas, Grupo Lésbico da Bahia, Nuances de Porto Alegre e Grupo Arco-Íris do Rio, entre outros (as informações são do GLS Planet). Somente em 1985 o Conselho Federal de Medicina decide desconsiderar o artigo 302 da Classificação Internacional de Doenças, onde constava a homossexualidade. Pelo menos nisso, o Brasil se antecipou. Só em 1990 a Organização Mundial da Saúde decide eliminar a homossexualidade da lista de doenças. A data da decisão histórica, 17 de maio, passaria a ser o Dia Internacional de Combate à Homofobia.

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Em sua esmagadora maioria, os heterossexuais – mesmo aqueles engajados na luta pela justiça social -- ainda não refletiram o suficiente sobre os efeitos devastadores da homofobia. Não se trata somente dos sutis gestos de discriminação cotidiana e das piadinhas homofóbicas, reproduzidas diariamente nas interações sociais e na programação da mídia. Trata-se de direitos básicos, como o de adoção, herança, plano de saúde e constituição de união matrimonial reconhecida pela lei. Trata-se do direito à imagem e à honra. Muitas vezes, trata-se simplesmente do direito de andar de mãos dadas com seu amor pelas ruas sem correr o risco de ser espancado.

Os homicídios homofóbicos no Brasil aumentaram 55% em 2008. Foram 190 no ano passado, contra 122 em 2007. Estes são os números oficiais, compilados pelo Grupo Gay da Bahia com base nos boletins de ocorrência. Imaginem quais serão os números reais. Nesse horror quase medieval, há mortes com requintes de crueldade, a pedradas, por exemplo. Recentemente, o odioso projeto de lei 4508/2008, do Deputado Olavo Calheiros (PMDB/AL), que visa proibir a adoção de crianças por homossexuais, começou a tramitar como se não fosse a excrescência inconstitucional que é. O projeto cospe no artigo 226, § 4º, da Constituição Federal, mas o Congresso o examina como se fosse a mais razoável das leis.

Ideias absolutamente inconstitucionais, como a que proíbe homossexuais de lecionar em escolas primárias, são discutidas com argumentos “ponderados” até por gente de esquerda. Está categórica, sociologicamente provado que, em potencial, um padre é uma ameaça sexual muito mais grave a uma criança que um(a) professor(a) gay ou lésbica. Mas reproduz-se mesmo em comarcas progressistas o estranho estereótipo que associa, contra todas as evidências, a homossexualidade à pedofilia. A bizarra noção de que gays e lésbicas são máquinas sexuais incontroláveis, prontas para disparar a qualquer momento, tem ainda profunda inserção no chamado inconsciente coletivo.

É urgente o apoio maciço e incondicional da esquerda ao Projeto de Lei da Câmara 122/2006, que criminaliza a homofobia e pune a discriminação e a agressão contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transsexuais. O projeto se encontra, no momento, em trâmite no Senado. A leitura do projeto e o contato com os Senadores podem ser feitos através do site NãoHomofobia. Atualmente, não há nenhuma proteção específica ante a agressão e a discriminação homofóbicas, comparável à que temos contra o racismo.

A Frente Parlamentar pela Cidadania LGBT é formada por 211 deputados federais e 18 senadores. Dos grandes partidos, o PT ainda é, de longe, o que se sai melhor na foto. De seus 11 senadores, 9 são membros. Mas ainda é pouco. Não há razão aceitável para que Tião Viana (PT-AC) e Marina Silva (PT-AC) não se juntem à Frente. Se, em vista de suas crenças religiosas, a Senadora Marina Silva tem “problemas de consciência” para se juntar a essa causa, que ela os resolva no âmbito privado. Na esfera pública, ela tem a obrigação de defender o programa do PT. Chega de conferir aos progressistas religiosos esse estranho privilégio, o de omitir-se (ou, pior, adotar uma postura reacionária) nas questões fundamentais do nosso tempo, sempre que estas entrem em choque com a leitura que lhes inculcaram de um livro apócrifo de fábulas judaicas.

Sempre defendi que a melhor forma de se imbuir do espírito de luta pela justiça social é ouvir as vítimas com atenção. Quer entender o racismo? Abandone as fáceis, imaginárias simetrias entre negros e brancos e escute as histórias de vida narradas por aqueles. O apelo do post é muito simples: procure seu amigo gay ou sua amiga lésbica e pergunte, indague muito. Não pressuponha que sabe o que eles vivem. Escute com atenção. Você se surpreenderá.

Escrito por Idelber às 03:18 | link para este post | Comentários (97)

Comentários
#1

Será um completo retrocesso aos direitos humanos no país se esse projeto de Lei for aprovado. Por que terem tais direitos negados? São cidadãos de direitos e deveres. São seres humanos.

Luciana em junho 11, 2009 4:10 AM


#2

Idelber,
Ufa! Enfim um post acima de qualquer coisa. Olavo Calheiros não existe. Marina Silva precisa acordar pra jesus, hehehehe.
Muito obrigada pela força.
bjs

Mari em junho 11, 2009 5:02 AM


#3

Lembro-me da Cássia Eller.
Se estivesse viva, seria uma das primeiras a lutar pela inclusão e direito de igualdade pelo Chicão http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u20252.shtml, sua ex-companheira e pelo coletivo.
Li uma matéria, de 2004, sobre inclusão na revista Mix Brasil http://mixbrasil.uol.com.br/bsh/ os direitos devem ser garantidos.
Estranhamente, comportamentos como na Califórnia, um dos estados que mais se destacaram pelo avanço na cultura hippie etc, se libertaram tanto nos anos 60, agora se castram. Hoje o Estado é governado por um artista que tem a característica nos seus personagens, machos e bélicos.
Apresentar esta postura, nesta era, é contrastante. Em relação ao Obama como em outros países ganha votos com promessas a tal grupo, mas depois despreza as reivindicações do eleitor. Por causa dos conservadores ou opositores o medo de liberar totalmente.
No Brasil existe ainda muito preconceito (egoísmo + ignorância = conservadorismo), apesar dos avanços científicos e dos direitos humanos, a hipocrisia é outro agravante, pois a liberdade para a corrupção, libertinagem das novelas televisivas, estelionato não tem punição, violência na tv no horário vespertino,uma liberdade destrutiva. Agora, para pessoas que buscam a felicidade sem prejudicar alguém, perder o direito de viver da forma como decidiram, porque toda esta mediocridade?
Garanto que se uma pedagoga, psicóloga questionar uma criança, que vive com um casal homossexual, o que pensa e analisar como ela julga o mundo, ou até mais tarde, se afeta seu comportamento, não há problema. Um dos fatores essenciais é a necessidade do diálogo, ou seja, esclarecimento das coisas, sem medo.
Se existe tanta preocupação o que falta, para estes ditadores, conservadores, é a visão sobre a forma da condução da educação desta sociedade, que ainda sofre com a ditadura, principalmente com a condição de “democracia da informação”, no imperialismo da mídia pra obtenção de seus interesses pessoais, não validam os direitos de igualdade e sociedade.
A ditadura disfarçada na nossa sociedade, a imposição de regras é justamente para limitar aquele que deixou de pensar, porque foi proibido, disperso ou manipulado, já sofreu uma censura, e é imposta outra, censura atrás de censura.
O pensamento e comportamento retrógrado ainda persistem, pois vemos o resultado sempre nas urnas.
Gostaria que o Brasil deixasse de ser província.
A orientação sexual, é um assunto bastante interessante, desenvolvi atividades em sala de aula com alunos do ensino fundamental e ensino médio. O diálogo e o esclarecimento são tão enriquecedores.
Veja esta http://www.prsp.mpf.gov.br/prdc/area-de-atuacao/dsexuaisreprod/Brasil%20sem%20Homofobia.pdf
Gostaria que as pessoas que fossem participar da parada Gay dia 14.06, pensassem
em discussão, diálogo. Parem um pouco o som, a dança e discutam para os participantes sobre idéias relevantes deste tipo. Um momento como este, coisa que os alunos, professores e manifestantes não conseguem unir, pois é uma multidão que bate recorde, é oportuna esta intervenção e falar da constituição, dos direitos legais contra a discriminação sexual.
O preconceito precisa ser trocado pelo diálogo e esclarecimento.

Márcia em junho 11, 2009 6:16 AM

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