Opositores do governo atiram pedras em na polícia de Mubarak durante confrontos no Cairo |
Leandro Cruz
“Como conseguiram construir essas pirâmides, grandiosas, que estão de pé até hoje?”. Para responder a essa pergunta já houve até quem dissesse que os egípcios antigos receberam ajuda de extraterrestres. Mais que a fé nos aliens, essas teorias fantasiosas demonstram uma enorme falta de fé na humanidade. Não. Foram humanos que construíram as pirâmides. Os humanos são capazes de realizar coisas grandiosas. Foram os egípcios que carregaram as pedras para construir os gigantescos túmulos dos faraós. Os egípcios, que são humanos, são capazes de realizar grandes coisas.
Nos últimos sete mil anos eles têm feito grandes coisas. Mas até o dia 25 de janeiro, tudo que construíram era para seus faraós, para os dominadores helênicos, romanos, otomanos e ditadores e reis que sempre viviam de maneira faraônica, subservientes a interesses da França, da Inglaterra, dos Estados Unidos e da União Soviética.
De Alexandre, o Grande, a Napoleão, o baixinho, passando por todos os outros que conquistaram ou tomaram o Egito, nenhuma se igualou à conquista do poder protagonizada pelo próprio povo. Desde a invasão napoleônica em 1798 não houve geração que não assistisse a um rompimento institucional, feito sempre por terceiros. Jamais o país escolheu seu governo, mesmo depois da independência em 1922.
Em 1952, os autodenominados oficiais livres depuseram a monarquia e colocaram uma figura popular e carismática para ser a “cara” da transição, Muhammad Naguib. Mas Naguib quis mandar, não se contentando em simplesmente seguir o que os verdadeiros governantes determinavam. Quando viram que o líder da “transição” poderia acabar se tornando governante de fato, acusações (falsas? Não sei) de falcatruas administrativas “surgiram”, ele foi preso e deposto por seus próprios colegas. Assim Gamal Abdel Nasser, o verdadeiro líder dos oficiais livres, assumiu o poder. A constituição e os partidos políticos foram abolidos. O jovem Hosni Mubarak ainda era apenas um piloto de caças nessa época.
Nasser (admiradíssimo por Jânio Quadros) era aliado da União Soviética, pois os Estados Unidos apoiavam a política expansionista de Israel. Perder Gaza e Sinai para o vizinho sionista não foi sua única tragédia, os gastos com a guerra teriam quebrado o país não fosse a ajuda dos soviéticos. Quando ele morreu, em 1970, entra em cena a dupla Anwar Sadat e Hosni Mubarak, que dão continuidade ao regime dos oficiais, mas decidem buscar outros patrocinadores para a sua ditadura.
Os Estados Unidos bancam. Até 2010, as doações anuais, oficialmente declaradas, dos Estados Unidos ao regime variavam entre dois e três bilhões de dólares, além de ceder equipamento militar (fora o que vier por fora para as contas particulares dos ditadores). Além disso conseguiram que Israel devolvesse a península do Sinai.
O interesse americano e israelense não era pequeno e por isso o nervosismo de ambos esses países sobre os últimos acontecimentos. O Egito tem a torneirinha de boa parte do gás natural que abastece Israel. Controla o mais importante rio da África, o Nilo. E o mais importante canal do mundo, Suez, e ser o porteiro do atalho entre o Mediterrâneo e o Índico não é pouca coisa. O Canal de Suez simplesmente poupa europeus e tigres asiáticos de terem que dar aquela volta que os portugueses tinham que dar 500 anos atrás, lembra?
Mubarak se tornou o número 1 do regime depois do assassinato de Sadat em 1981. Ainda há muita controvérsia quanto ao assassinato de Sadat. Oficialmente (o que no caso do Egito geralmente quer dizer “mentirosamente”) ele foi morto por extremistas islâmicos que estariam tramando repetir no Egito o que os radicais do Irã haviam feito três anos antes. Mas segundo fontes não oficiais (blogueiros egípcios) nas ruas do Cairo não é difícil de encontrar quem diga (“à boca miúda” até esse janeiro) que as mãos de Mubarak também estão sujas do sangue de seu antecessor.
Para “salvar o Egito dos radicais”, Mubarak abole direitos civis, aumenta o controle estatal sobre os veículos de comunicação e cria uma polícia secreta à paisana com carta branca para entrar na casa de qualquer “suspeito” fazendo “o que for necessário”. O problema é que os capangas do governo entendiam como “necessário” agredir, torturar, estuprar, saquear e roubar.
As “leis de emergência” duravam 30 anos. O povo aguentava, mesmo vendo que nem o dinheiro americano, nem o do canal, nem o do gás e nem mesmo o fruto do solo irrigado pelo Nilo chegava à sua mesa. A estratégia era dividir e isolar. Jogando uns contra os outros, tem-se a desculpa de estar protegendo os cristãos dos muçulmanos, os muçulmanos dos cristãos, os árabes dos sionistas, os sionistas dos radicais. O medo da guerra provocado por uma guerra constante provocada pelo governo.
Mas os jovens estavam cansados do medo e da divisão. E na World Wide Ágora passaram a “trocar ideia”. E ideias são coisas que só se multiplicam quando trocadas. No século XXI os faraós e seus escribas e sacerdotes não detêm mais o monopólio da escrita. O movimento ciberativista 6 de Abril nasceu no Facebook, sem líder nem partido. Em comum a ideia de construir um país grandioso, mas não mais para um faraó e sim para seu povo livre.
Não há paralelo na história para o que vimos nos últimos 18 dias. E vimos mesmo que o Estado tenha tentado calar e a mídia internacional tentado ignorar ou minimizar. A verdade vazou, com uma força inacreditável. Não foram as câmeras do Grande Irmão que mostraram a história, mas as pequenas câmeras nas mãos do povo unido como irmãozinhos. Vimos crianças botando tropas de choque para correr; vimos artistas grafitando tanques de guerra; vimos médicos, cozinheiros, garis e todo o resto sendo organizados de maneira voluntária para sustentar os protestos mesmo que a comida estivesse escassa; vimos cristãos defendendo muçulmanos da polícia durante as orações e muçulmanos defendendo templos coptas; vimos um regime cair.
Ainda há incerteza e medo de que militares ou radicais islâmicos tomem o poder depois do levante popular. Não há paralelo na história para arriscarmos um palpite. Mas pelo que vimos acho pouco provável que esse povo aceite daqui pra frente que alguém dite o que ou como um povo livre deve construir seu país. Egípcios, parabéns e muito obrigado.
“Como conseguiram construir essas pirâmides, grandiosas, que estão de pé até hoje?”. Para responder a essa pergunta já houve até quem dissesse que os egípcios antigos receberam ajuda de extraterrestres. Mais que a fé nos aliens, essas teorias fantasiosas demonstram uma enorme falta de fé na humanidade. Não. Foram humanos que construíram as pirâmides. Os humanos são capazes de realizar coisas grandiosas. Foram os egípcios que carregaram as pedras para construir os gigantescos túmulos dos faraós. Os egípcios, que são humanos, são capazes de realizar grandes coisas.
Nos últimos sete mil anos eles têm feito grandes coisas. Mas até o dia 25 de janeiro, tudo que construíram era para seus faraós, para os dominadores helênicos, romanos, otomanos e ditadores e reis que sempre viviam de maneira faraônica, subservientes a interesses da França, da Inglaterra, dos Estados Unidos e da União Soviética.
De Alexandre, o Grande, a Napoleão, o baixinho, passando por todos os outros que conquistaram ou tomaram o Egito, nenhuma se igualou à conquista do poder protagonizada pelo próprio povo. Desde a invasão napoleônica em 1798 não houve geração que não assistisse a um rompimento institucional, feito sempre por terceiros. Jamais o país escolheu seu governo, mesmo depois da independência em 1922.
Em 1952, os autodenominados oficiais livres depuseram a monarquia e colocaram uma figura popular e carismática para ser a “cara” da transição, Muhammad Naguib. Mas Naguib quis mandar, não se contentando em simplesmente seguir o que os verdadeiros governantes determinavam. Quando viram que o líder da “transição” poderia acabar se tornando governante de fato, acusações (falsas? Não sei) de falcatruas administrativas “surgiram”, ele foi preso e deposto por seus próprios colegas. Assim Gamal Abdel Nasser, o verdadeiro líder dos oficiais livres, assumiu o poder. A constituição e os partidos políticos foram abolidos. O jovem Hosni Mubarak ainda era apenas um piloto de caças nessa época.
Nasser (admiradíssimo por Jânio Quadros) era aliado da União Soviética, pois os Estados Unidos apoiavam a política expansionista de Israel. Perder Gaza e Sinai para o vizinho sionista não foi sua única tragédia, os gastos com a guerra teriam quebrado o país não fosse a ajuda dos soviéticos. Quando ele morreu, em 1970, entra em cena a dupla Anwar Sadat e Hosni Mubarak, que dão continuidade ao regime dos oficiais, mas decidem buscar outros patrocinadores para a sua ditadura.
Os Estados Unidos bancam. Até 2010, as doações anuais, oficialmente declaradas, dos Estados Unidos ao regime variavam entre dois e três bilhões de dólares, além de ceder equipamento militar (fora o que vier por fora para as contas particulares dos ditadores). Além disso conseguiram que Israel devolvesse a península do Sinai.
O interesse americano e israelense não era pequeno e por isso o nervosismo de ambos esses países sobre os últimos acontecimentos. O Egito tem a torneirinha de boa parte do gás natural que abastece Israel. Controla o mais importante rio da África, o Nilo. E o mais importante canal do mundo, Suez, e ser o porteiro do atalho entre o Mediterrâneo e o Índico não é pouca coisa. O Canal de Suez simplesmente poupa europeus e tigres asiáticos de terem que dar aquela volta que os portugueses tinham que dar 500 anos atrás, lembra?
Mubarak se tornou o número 1 do regime depois do assassinato de Sadat em 1981. Ainda há muita controvérsia quanto ao assassinato de Sadat. Oficialmente (o que no caso do Egito geralmente quer dizer “mentirosamente”) ele foi morto por extremistas islâmicos que estariam tramando repetir no Egito o que os radicais do Irã haviam feito três anos antes. Mas segundo fontes não oficiais (blogueiros egípcios) nas ruas do Cairo não é difícil de encontrar quem diga (“à boca miúda” até esse janeiro) que as mãos de Mubarak também estão sujas do sangue de seu antecessor.
Para “salvar o Egito dos radicais”, Mubarak abole direitos civis, aumenta o controle estatal sobre os veículos de comunicação e cria uma polícia secreta à paisana com carta branca para entrar na casa de qualquer “suspeito” fazendo “o que for necessário”. O problema é que os capangas do governo entendiam como “necessário” agredir, torturar, estuprar, saquear e roubar.
As “leis de emergência” duravam 30 anos. O povo aguentava, mesmo vendo que nem o dinheiro americano, nem o do canal, nem o do gás e nem mesmo o fruto do solo irrigado pelo Nilo chegava à sua mesa. A estratégia era dividir e isolar. Jogando uns contra os outros, tem-se a desculpa de estar protegendo os cristãos dos muçulmanos, os muçulmanos dos cristãos, os árabes dos sionistas, os sionistas dos radicais. O medo da guerra provocado por uma guerra constante provocada pelo governo.
Mas os jovens estavam cansados do medo e da divisão. E na World Wide Ágora passaram a “trocar ideia”. E ideias são coisas que só se multiplicam quando trocadas. No século XXI os faraós e seus escribas e sacerdotes não detêm mais o monopólio da escrita. O movimento ciberativista 6 de Abril nasceu no Facebook, sem líder nem partido. Em comum a ideia de construir um país grandioso, mas não mais para um faraó e sim para seu povo livre.
Não há paralelo na história para o que vimos nos últimos 18 dias. E vimos mesmo que o Estado tenha tentado calar e a mídia internacional tentado ignorar ou minimizar. A verdade vazou, com uma força inacreditável. Não foram as câmeras do Grande Irmão que mostraram a história, mas as pequenas câmeras nas mãos do povo unido como irmãozinhos. Vimos crianças botando tropas de choque para correr; vimos artistas grafitando tanques de guerra; vimos médicos, cozinheiros, garis e todo o resto sendo organizados de maneira voluntária para sustentar os protestos mesmo que a comida estivesse escassa; vimos cristãos defendendo muçulmanos da polícia durante as orações e muçulmanos defendendo templos coptas; vimos um regime cair.
Ainda há incerteza e medo de que militares ou radicais islâmicos tomem o poder depois do levante popular. Não há paralelo na história para arriscarmos um palpite. Mas pelo que vimos acho pouco provável que esse povo aceite daqui pra frente que alguém dite o que ou como um povo livre deve construir seu país. Egípcios, parabéns e muito obrigado.
Por Leandro Cruz - Viagem no Tempo - 12.02.2011
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