9 de jan. de 2013

A espacialização dos eventos culturais

Foto: Secretaria de Estado da Cultura


Paulo Roberto Andrade de Moraes, do Teoria e Debate
A cultura como commodity passa a ser, assim, um ramo da economia muito promissor. Os eventos culturais tornaram-se um dos principais meios de lazer das sociedades cada vez mais urbanizadas e escolarizadas. E em grandes cidades como São Paulo não ocorrem de modo democrático, dada sua multicentralidade.



Entre 2007 e 2008 me debrucei em uma pesquisa com o propósito de contabilizar e espacializar os eventos culturais que ocorrem na cidade de São Paulo. Nesse período cataloguei, todas as sextas-feiras, os shows musicais, peças de teatros, filmes em cinemas e mostras específicas e exposições diversas. Para essa atividade, consultei o suplemento semanal de O Estado de S. Paulo, jornal de grande circulação que tem seus leitores principalmente nas classes A e B.
O resultado dessa pesquisa culminou em minha dissertação de mestrado em Geografia Humana, “A espacialização dos eventos culturais na cidade de São Paulo”. Muitos me perguntaram por que esse tema. Em primeiro lugar, sou um apaixonado por essa metrópole que tem uma forte identidade cultural, termo descrito por Mário J. Pires como “o conjunto de caracteres próprios e exclusivos de um corpo de conhecimentos, seus elementos individualizadores e identificadores; enfim, o conjunto de traços psicológicos, o modo de ser, de sentir e de agir de um grupo, que se reflete nas ações e na cultura material”.

Segundo o autor, a capital paulista não encontra uma definição dita correta para sua identidade cultural, “responsável pelo amor que seus cidadãos depositam em sua cidade e pelo consequente engajamento na tentativa de resolver os problemas que afetam toda a comunidade”. Deve-se atentar, porém, que toda essa diversidade de atrações que a cidade oferece, já elencadas, caracteriza-se pelo cosmopolitismo que São Paulo possui, isto é, um aglomerado de identidades, desde a verticalização (estudada em Maria Adélia Souza) até a miscigenação proporcionada pela migração de pessoas de diversos lugares, com diferentes costumes. “Com efeito, as atividades culturais ocupam um lugar privilegiado na construção de identidades coletivas, na medida em que se abrem a todos os cidadãos, congregando-os em referenciais comuns, trabalhando a relação entre o lugar e o universal”, escreve Eduardo Yázigi.

 As diferenças culturais criadas em uma cidade como São Paulo facilitam a receptividade de pessoas externas a ela, pois as migrações anteriores (de nordestinos, italianos, japoneses, árabes, entre tantos outros) deixaram características na produção do espaço e no cotidiano – bairros com arquitetura típica, festas e costumes. São Paulo cresceu de uma maneira atípica em relação a outras cidades brasileiras. A vinda de pessoas de vários lugares trouxe um pouco da cultura de cada parte do mundo, seu desenvolvimento industrial (que garantiu dinheiro e infraestrutura à cidade) possibilitou o surgimento dessa metrópole que se apresenta. Metrópole essa que, graças ao capital acumulado e seu cosmopolitismo, desenvolveu uma atividade cultural muito diversificada para sua população.

Deve-se também ter a definição do que é lazer, que provavelmente não existe a contento de todas as áreas do saber – sociologia, antropologia, filosofia... Pode-se dizer que lazer é uma expressão do uso do tempo livre das pessoas, individualmente ou em grupo. Segundo Joffre Dumazedier, “o espaço de emergência de um grande número de práticas sociais, cada vez mais estereotipadas e variadas, cada vez mais sedutoras e ambíguas, que mesmo limitadas e determinadas, exercem crescente influência sobre o conjunto da vida cotidiana. Aqui se encontra a origem maior daquilo a que nos propomos chamar a revolução cultural de um tempo livre, em 90% constituído de atividade de lazer”.

Esse tempo livre vem de uma conquista recente – pouco mais de um século –, em que a jornada de trabalho foi reduzida consideravelmente. Para os trabalhadores brasileiros, caiu de 5 mil para 2.200 horas anuais, do começo do século 20 até os dias de hoje. Entre os do setor terciário (escritórios e bancos), mais ainda, cerca de 1.800 horas anuais, patamar atingido pelos operários europeus e americanos ao final da década de 1970, de acordo com Luis Camargo.

No início, esse tempo livre era utilizado em atividades recreativas com grande interferência de organizações como sindicatos e igrejas. Sua maior preocupação era manter a integridade dos operários para que pudessem voltar sãos ao trabalho na segunda-feira. O tempo livre também criou um dilema sobre seu uso, pois chegou-se a temer que as pessoas se tornariam egoístas em utilizar esse tempo somente para o próprio prazer, despreocupando-se do próximo, temor que acometeu principalmente a Igreja Católica.

O uso desse tempo livre que passamos a ter acabou por gerar desde momentos de relaxamento, espairecimento (como ler, ouvir música, conversar), até atividades como viagens, excursões e culturais (cinema, teatro, exposições, shows), movimentando milhões de dólares em todo o mundo. “A imprensa atual classifica o lazer como, antes de tudo, uma nova fonte de empregos”, aponta Dumazedier.

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